Sábado, 26 de julho de 2025

No Brasil, em média um estupro acontece a cada seis minutos

O Brasil teve um estupro registrado a cada seis minutos em 2024, totalizando 87.545 ocorrências no ano, revelam dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados na manhã dessa quinta-feira (24). Esse tipo de crime sexual, que atingiu o maior número registrado desde o início do projeto, em 2006, segue uma tendência contrária à dos homicídios, que estão caindo no longo prazo.

Não está totalmente claro ainda por que essas duas categorias graves de crime seguem dinâmicas tão diferentes, mas o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que produz o relatório, acredita que seja um aumento real, e não um artifício estatístico. Em outras palavras, apesar de o estupro ser um tipo de crime para o qual muitas vezes não se apresenta queixa, é improvável que esse aumento seja apenas fruto de uma melhora nas estatísticas de subnotificação.

Segundo Manoela Miklos, pesquisadora sênior do FBSP, a persistência da tendência tem relação com um problema sociocultura do País.

“Quando a gente olha para homicídios em geral, da porta pra fora, a gente vê que políticas públicas e medidas de governo surtem resultados e mudam a dinâmica do crime organizado. Agora, da porta pra dentro, a gente tem um desafio de mudar as dinâmicas que estão muito inseridas na nossa cultura”, afirma. “A gente precisa conseguir pensar a segurança pública da porta pra dentro. Acho que o desafio posto é esse.”

A consolidação do estupro como um crime majoritariamente doméstico não é uma novidade, mas se impõe como uma realidade persistente nos dados de 2024. Dois terços dos casos no ano passado ocorreram dentro de uma residência, quase metade dos estupradores (45,5%) eram familiares das vítimas e 20,6% eram parceiros ou ex-parceiros íntimos.

A escolha de vítimas em situação de fragilidade também é um dado preocupante, com 77% das ocorrências podendo ser classificadas como “estupro de vulnerável”. Esse tipo criminal inclui vítimas menores de 14 anos, pessoas com deficiência ou incapazes de oferecer resistência (sedadas ou embriagadas, por exemplo). A maioria dos casos enquadrados nesta classificação tem como vítima crianças e adolescentes.

O recorte sociodemográfico também mostra uma busca de vítimas mais frágeis entre populações marginalizadas. A renda é um fator de risco, e mais da metade das vítimas eram mulheres negras (56%).

O estupro não é o único crime sexual em tendência de alta. Entre os 11 indicadores dessa classificação no anuário, sete tiveram crescimento entre 2023 e 2024. Eles incluem também o assédio sexual, a importunação sexual e a pornografia, caracterizada pela divulgação não consensual de fotos ou vídeos íntimos.

Essa última prática, que tem natureza inerentemente digital, foi a que mais cresceu no período (13%). Segundo Miklos, um ambiente tóxico nas redes sociais tem prejudicado as mulheres e ajudado a alimentar a cultura do estupro, em última instância.

“Existe em geral uma migração dos crimes do ambiente real para o virtual. A gente vê que isso dita padrões do ponto de vista dos crimes patrimoniais, mas isso também está presente quando a gente olha para a violência sexual”, diz. “A vulnerabilidade que a gente vê nas vítimas offline a gente vê também nas vítimas online.”

Quando os dados regionais são comparados, é possível ver que o crime de estupro ocorre com alguma frequência no país todo, mas é maior tipicamente em centros urbanos emergentes, longe das grandes metrópoles já estabelecidas.

A taxa média nacional de estupros foi de 41,2 por grupo de 100 mil mulheres em 2024. Os municípios com as maiores taxas isoladas tiveram mais que o triplo desta cifra. Os três em situação mais grave são Boa Vista (RR), com taxa de 132,7, seguida de perto por Sorriso (MT), com 131,9 e Ariquemes (RO), com 122,5. Todos são enclaves urbanos em áreas de expansão do agronegócio na Amazônia.

“Esses centros urbanos, onde o capital gira dinâmicas legais e ilegais muito rapidamente, são cidades que vão se expandindo por onde passam grandes rodovias, por onde passam mercadorias legais e ilegais, e onde a gente tem pouca política pública, pouco efetivo da polícia, sobretudo da polícia civil, que investiga”, diz Miklos.

Um dos capítulos do anuário de segurança neste ano trata da importância da perícia sexual nos casos de violência desse tipo. Existe uma preocupação dos pesquisadores em não deixar que esse procedimento, porém, seja conduzido de forma não humana e sem o acolhimento da vítima.

“Quando há um crime contra a Dignidade Sexual, se este deixou vestígios no corpo da vítima, a autoridade competente poderá requisitar um exame médico-legal de corpo de delito”, escreve Mariana da Silva, médica legista da polícia científica de São Paulo. “Mas quando ocorre um caso de violência sexual a vítima deve ser acolhida e protegida, para que não ocorra revitimização e seus direitos sejam garantidos.”

A perícia sexual, além disso, nem sempre consegue colher evidências de um elemento essencial do crime de estupro: o não consentimento do ato sexual. Isso é particularmente desafiador para mulheres que sofrem violência dos próprios parceiros ou ex-parceiros.

“O debate sobre consentimento é o X da questão, é o que transborda quando a gente olha para a perícia, e é o que sustenta altas muitas dessas taxas. Isso tem a ver com cultura, no limite”, diz Miklos. (Com informações do jornal O Globo)

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