Quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

No centro de uma crise entre governo e Congresso, as emendas de comissão têm sido usadas por deputados para irrigar suas bases eleitorais em um mecanismo que omite os verdadeiros responsáveis pelas indicações dos repasses

No centro de uma crise entre governo e Congresso, as emendas de comissão têm sido usadas por deputados para irrigar suas bases eleitorais em um mecanismo que omite os verdadeiros responsáveis pelas indicações dos repasses. O cruzamento entre informações fornecidas por congressistas, manifestação de prefeitos nas redes sociais e uma planilha do Congresso enviada ao Executivo mostra que, embora não seja divulgada a autoria oficialmente, parlamentares costumam ser celebrados por apadrinhar recursos a seus redutos. Para especialistas, essa opacidade compromete o controle dos gastos públicos.

As emendas de comissão foram inchadas em 2023 após o fim do orçamento secreto — extinto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela falta de transparência quanto às indicações — e em meio às negociações da chamada “PEC da Transição”, que ampliou o Orçamento federal após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa modalidade, que não é de execução obrigatória, alcançou o valor de R$ 6,8 bilhões no ano passado. Para 2024, o Orçamento aprovado pelo Congresso previa R$ 16,6 bilhões para este tipo de despesa. O presidente vetou R$ 5,6 bilhões, deixando R$ 11 bilhões disponíveis. O corte deu início ao mais novo capítulo de tensão entre Executivo e Legislativo.

Agradecimento nas redes

O interesse dos parlamentares era turbinar as verbas para suas bases em ano de eleição municipal. No dia 11 de janeiro, por exemplo, o prefeito de Pombal (PB), Dr. Verissinho, usou as redes sociais para comemorar a assinatura de um convênio de R$ 4,3 milhões para a pavimentação de ruas. Na publicação, deu o nome do responsável pela destinação da verba: “Preciso agradecer ao deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) por tudo que tem feito por Pombal e por esse grande presente que ele deu para a nossa cidade”.

Líder do Republicanos na Câmara, Motta é apontado como possível candidato à sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Casa no ano que vem. A postagem acabou revelando o que não aparece em documentos: não há registro oficial de que o dinheiro tenha sido indicado por Motta para Pombal. O convênio foi assinado usando recursos da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado — da qual Motta, deputado, sequer faz parte.

O exemplo de Pombal não é o único. Em Dois Riachos (AL), o prefeito gravou um vídeo agradecendo ao líder do MDB na Câmara, o deputado federal Isnaldo Bulhões (AL). No caso, o valor é de R$ 1,9 milhão para a pavimentação de ruas no município, recurso que também saiu das emendas de comissão sem informações sobre a participação do parlamentar. Procurados, Motta e Bulhões não responderam.

Professora de finanças públicas da Fundação Getulio Vargas e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane afirma que a possibilidade de rastrear os parlamentares que indicam os recursos e os beneficiários finais é tão importante quanto a necessidade de alinhar as emendas com o planejamento de políticas públicas.

“A opacidade compromete o controle e favorece a lógica de que o parlamentar estaria quase como a sacar recursos privados em um banco qualquer”, afirma. “O país precisa de uma reforma orçamentária que conecte a execução do orçamento público, de fato, ao planejamento. Sem isso não há qualidade do gasto público e impera o compadrio de curto prazo eleitoral”, disse.

Na Bahia, Campo Formoso é o reduto eleitoral do líder do União Brasil, Elmar Nascimento. A cidade foi a terceira mais contemplada do país em recursos do Ministério do Turismo, comandado por Celso Sabino, aliado do parlamentar. Na última semana de dezembro do ano passado, a pasta assinou um convênio de R$ 9,5 milhões com o município do semiárido baiano, localizado a 406 km de Salvador. O dinheiro, assim como para Pombal, saiu das emendas de comissão.

Segundo convênio firmado com a pasta de Sabino, o dinheiro servirá para a construção de um “Centro de comercialização de Produtos associados ao Turismo”. Procurados, Elmar Nascimento e o prefeito Elmo, seu irmão, não responderam. O Ministério do Turismo, por sua vez, ressaltou que o recurso, apesar de chancelado pela pasta, é uma emenda aprovada pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado.

“Cabe informar, ainda, que todas as emendas parlamentares passam por uma análise técnica e estão de acordo com a Política de fomento ao Turismo no país. A construção de um Centro de comercialização de Produtos associados ao Turismo está dentro do escopo permitido por Lei, sendo um importante equipamento gerador de fluxo turístico e movimentação da economia do município”, afirma a pasta.

Em outra situação, o prefeito de Jussara (BA), Tacinho Mendes, repetiu o “padrão” e gravou um vídeo agradecendo um parlamentar pelos recursos das emendas de comissão. No seu caso, foi o deputado João Bacelar (PL-BA). Sozinha, a cidade recebeu R$ 13 milhões em emendas de comissão.

Em Itabaiana (SE), um dos deputados federais apontados pelo prefeito como responsável pelo envio de recursos é Ícaro de Valmir (PL-SE). Os valores, assim como o de outras cidades, também chegaram por meio de emendas de comissão. Ícaro, entretanto, é um parlamentar no primeiro mandato: ou seja, como não era deputado em 2022, teoricamente não poderia indicar emendas para o ano de 2023. O parlamentar, porém, é apontado como responsável pela indicação de R$ 10 milhões para o município, repasse realizado nos últimos dias do ano.

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