Sexta-feira, 29 de março de 2024

O fator moralidade

Ao que tudo indica, as eleições de 2022 serão fortemente marcadas pela agenda moral, onde temas como a pauta de costumes serão debatidos, não somente pelos candidatos, mas por uma crescente parcela da população que não mais admite o papel de mera expectadora. Entretanto, a fragmentação partidária e o clima de polarização extremada que experimentamos anteveem cores ainda mais fortes para essa dialética necessária, e que deve se circunscrever dentro de níveis razoáveis de civilidade, admitindo-se que certo grau de conflito é até necessário para um saudável desenvolvimento social. O problema, tanto para indivíduos quanto para as comunidades, é quando o conflito passa a ser disfuncional, não mais mediado pela razão, mas por impulsos exacerbados, tanto mais fervorosos quanto menos cooperativos. Em vez de sonhar com uma talvez ingênua possibilidade de trégua providencial, melhor é desejar um equilíbrio, mesmo que tênue, entre as ideologias, hoje em aguda contenda.

O apelo por maior harmonia é sempre digno de reconhecimento, porém sabemos que, por maior que sejam as nossas boas intenções, a realidade é governada por um pragmatismo frio e desapaixonado. Nessa perspectiva, compreender os meandros da psicologia moral quem sabe nos permita abrandar um pouco o fervor da discórdia, da raiva e do ressentimento que são péssimos conselheiros para um debate civilizado de ideias. Nesse sentido, a consagrada necessidade de autoconhecimento vem acrescida de um entendimento melhor da vida em comum, de que modo podemos e até devemos nos esforçar para trazer a moralidade para o campo de debates, sem a ideia subjacente de supressão dos contrários. As pessoas estão sendo, mais do que nunca, segregadas por visões políticas e de costumes sem que haja uma mediação razoável e producente. Há guetos e bolhas que se retroalimentam, não mais pela riqueza dos pensamentos contrários, mas pelos ecos das próprias vozes, e vozes, muitas vezes, que destilam o ódio como fermento de um isolamento crescente.

Esse quadro tenebroso é ainda mais grave quando sabemos que, se cada um dos lados avocar para si o monopólio da superioridade moral, ao preço da eliminação daqueles que pensam de modo diferente, haverá um importante retrocesso. Grupos cooperativos, tribos e nações foram possíveis, mesmo sem os laços de consanguinidade, justamente graças a essa tensa convivência entre os diferentes, com um papel fundamental para a moralidade. Aliás, segundo Jonathan Haidt, a moralidade se encontra acima de outras teorias relevantes que explicam as transformações da história humana, acima inclusive do papel que tiveram as guerras, o cozimento de alimentos e os cuidados maternos, por exemplo. Por isso mesmo, ao contrário daquilo que nos ensinam os manuais de etiqueta, devemos sim debater temas espinhosos como política, religião e os costumes, e cada vez mais. Não debatê-los é abrir mão da possibilidade de fomentarmos mais união, e não menos, como haveria de se supor.

A propensão natural que temos a julgamentos morais, hoje impulsionados pelas mídias sociais em escala impensável até há bem pouco tempo, nos tem confinado a grupos cada vez menos plurais e mais parecidos conosco. Essas bolhas são enganosas, criam falsos consensos e perigosas verdades, a maioria delas sem o crivo do pensamento divergente. Romper esse casulo exige coragem, desprendimento e humildade também. Esse processo é ainda mais estratégico num país como o nosso, em parte programado para não funcionar, e que somente avançará se houver engajamento qualificado de sua população. A entrada do ex-juiz Sérgio Moro na disputa política do ano que vem, e considerando o histórico dos atuais líderes das pesquisas de intenção de votos, torna a discussão sobre a moralidade não apenas desejável, mas um imperativo para o Brasil. Assumir, enquanto nação e sem meio-termo, uma identidade que coloque os valores morais, tão aviltados ultimamente, no patamar que nunca deveriam ter saído, é passo fundamental para o futuro do País.

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