Segunda-feira, 06 de outubro de 2025

O poder do adesivo

Um adesivo não é apenas um pedaço de papel com cola. Ele é uma ferramenta de comunicação. É um símbolo, um gesto, uma escolha. Publicitários, artistas e militantes sabem bem disso: um adesivo serve para fixar uma mensagem, torná-la visível, “colar” uma ideia, literalmente.

Toda frase nasce para se tornar realidade. Ninguém publica um anúncio, por exemplo: “pão com mortadela a R$ 5,00” para que o produto permaneça esquecido na prateleira. Quem anuncia quer vender. Quem cola uma frase quer propagar um pensamento, construir uma narrativa, influenciar consciências, até executar ações.

Nos últimos dias, um ato covarde e inaceitável aconteceu na Câmara Municipal de Porto Alegre. Um adesivo com a frase “Fogo nos Racistas” foi colado na porta do meu gabinete, sobre a minha foto, durante uma visita oficial de alunos da UFRGS. Ainda mais grave: uma professora presente assumiu a autoria do gesto.

O fato, por si só, já seria grave. Mas o que torna tudo ainda mais preocupante é a tentativa de normalização da violência. Parlamentares ligados à esquerda tentaram justificar o ocorrido como uma “manifestação cultural”. Desde quando incitar fogo contra alguém — simbolicamente ou não — é cultura? Desde quando uma agressão a uma parlamentar pode ser tratada como expressão artística?

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é clara: ameaças dirigidas a chefes de Poder configuram atentado direto ao Estado Democrático de Direito. Não se trata apenas de uma ofensa pessoal. É um ataque à instituição, dirigido à presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre — e, portanto, ao próprio Legislativo da capital dos gaúchos.

Não é apenas um adesivo. É sobre o que ele quer “colar”: a ideia de que quem pensa diferente deve ser silenciado, apagado, queimado. “Fogo nos Racistas” não é metáfora inocente. Nela, o fogo é destruição, eliminação, violência.
A história mostra o que acontece quando o fogo é usado como arma.

Durante a Inquisição, pessoas foram queimadas vivas em praças públicas por ousarem pensar diferente. E, recentemente, no Nepal, o fogo voltou a ser instrumento de ódio e descontrole: 19 pessoas morreram e centenas ficaram feridas durante protestos liderados por jovens que incendiaram prédios governamentais e casas de parlamentares. A esposa de um ex-primeiro-ministro sofreu queimaduras graves. Nessa mensagem, o fogo — literal ou simbólico — tem caráter de tragédia!

E cabe perguntar: que valores uma professora transmite ao colar essa frase sobre a foto de uma representante eleita? O que ensina aos seus alunos? Que, quando não concordamos com as ideias de alguém, devemos acabar com essa pessoa? Que a educação é espaço para doutrinar ódio e não para formar cidadãos?

Um adesivo pode parecer pequeno, mas o que ele carrega é muito grande. Ele pode colar uma ideia ou tentar instigar atitudes violentas. E é aí que está a diferença entre quem usa a palavra para construir pontes e quem a usa para atear fogo na democracia. Em Porto Alegre não existe espaço para a intolerância. A Câmara Municipal não se dobra à covardia. E eu, como presidente e defensora da liberdade, do respeito à lei e às instituições, não me calo diante da violência travestida neste adesivo.

(Nádia Gerhard é presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre)

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