Quarta-feira, 01 de outubro de 2025

O Supremo não atua como um colegiado, mas fragmentado em múltiplas arenas decisórias

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, assumiu prometendo contenção, menos decisões individuais e mais colegialidade. Na prática, porém, o tribunal segue em outra direção: inquéritos sobre emendas parlamentares sob a relatoria de Flávio Dino e o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Primeira Turma, conduzido por Alexandre de Moraes, revelam um Supremo que não atua como um colegiado, mas fragmentado em múltiplas arenas decisórias.

Juristas apontaram que a fragmentação e a concentração de poder em diferentes arenas resultam na erosão da colegialidade e permitem que cada ministro adote estratégias próprias capazes de alterar resultados já formados. O efeito, disseram os especialistas, é a percepção de que não existe um único Supremo, mas “18 Supremos”: os 11 gabinetes, o plenário físico, o plenário virtual, as duas Turmas – cada uma também com seu plenário virtual – eo Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (Nusol).

Para o professor da Universidade Federal do Paraná e da Universidade de Brasília Miguel Godoy, que cunhou o termo “18 Supremos”, o modelo atual representa um desvio do desenho previsto pela Constituição de 1988. “As decisões deixam de ser do Supremo como Corte e passam a ser de ministros individuais, cada um com sua estratégia e em arenas paralelas”, afirmou,

Esse movimento, segundo ele, fica claro no modo como determinados temas se concentram em um único gabinete. Nas emendas parlamentares, por exemplo, mais de 60 inquéritos estão sob relatoria de Dino. Situação semelhante ocorre no julgamento dos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro, em que Moraes se tornou figura central: além de relatar mais de mil ações penais, o ministro conduz 11 inquéritos que deram origem à ação do golpe contra Bolsonaro.

O histórico também mostra decisões monocráticas de grande alcance, como em 2014, quando Luiz Fux concedeu, sozinho, auxílio-moradia para todo o Judiciário e só revogou a liminar quatro anos depois, sem levar o tema ao plenário do tribunal.

Na avaliação de Godoy, não se trata de questionar o mérito das apurações, mas de destacar que, quando inquéritos ou processos de grande impacto ficam concentrados em um único ministro, o resultado é a personalização da Justiça, o que enfraquece a autoridade do STF. “Reforça a percepção de que cada ministro é um Supremo”, afirmou o professor.

O líder da oposição na Câmara, deputado Zucco (PL-RS), disse ver o Supremo como uma espécie de “poder político paralelo”, e criticou a força das decisões individuais dos ministros. “Esse tipo de distorção gera insegurança jurídica e mina a confiança da população nas instituições”, declarou.

Na mesma linha, o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), sustentou que decisões individuais do Supremo têm interferido diretamente na arena política. “É a substituição da democracia por decisões individuais”, disse.

Levantamento com base nos dados do projeto Corte Aberta mostra que, somente neste ano, foram 70.851 decisões individuais no Supremo. O dado dimensiona o peso das decisões monocráticas, mas, para o professor do Insper Luiz Gomes Esteves, a fragmentação também decorre da multiplicação de arenas decisórias.

Além dos 11 gabinetes, a Corte funciona em diferentes espaços. As Turmas, responsáveis por casos penais como o de Bolsonaro, contam com plenários virtuais próprios.

Há, ainda, o plenário virtual da Corte, vinculado ao plenário físico, onde os 11 ministros se reúnem em Brasília. No ambiente virtual, qualquer magistrado pode, por exemplo, apresentar um destaque, mecanismo que leva o processo para julgamento presencial e permite a alteração de votos já lançados.

De acordo com o professor do Insper, essa multiplicidade de arenas compromete a previsibilidade e gera insegurança jurídica, com impactos sobre cidadãos, empresas e a própria política. “Quando o Supremo se fragmenta em diferentes arenas decisórias, elas podem produzir decisões conflitantes”, afirmou Esteves. (Opinião/jornal O Estado de S. Paulo)

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