Terça-feira, 21 de outubro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 5 de março de 2023
Fevereiro foi marcado no setor imobiliário como o mês da volta do Minha Casa, Minha Vida (MCMV). O programa habitacional lançado na gestão de Lula, em 2009, havia se transformado em Casa Verde e Amarela (CVA) no governo Bolsonaro e deixado de oferecer a modalidade com subsídios quase totais, bancados com recursos da União, para a faixa com menor renda, que recebia até R$ 1.800 mensais.
O novo MCMV terá foco justamente nesse grupo, agora promovido para rendas de até R$ 2.640, segundo medida provisória publicada no último dia 15.
O governo já havia anunciado que R$ 10 bilhões em recursos vindos da PEC da
Transição iriam para o novo programa, e que metade desse montante seria
destinado para atender a faixa 1 – o MCMV tem ainda mais duas faixas, para rendas de até R$ 4.400 e R$ 8 mil ao mês, que no CVA recebiam subsídios limitados a R$ 29 mil. Detalhar como esse recurso será distribuído cabe agora ao Ministério das Cidades, comandado por Jader Filho (MDB-PA).
Para Hugo Grassi, analista de mercado imobiliário do Citi Bank, há duas dúvidas principais, que vão nortear a precificação dos ativos envolvidos na política habitacional: primeiro, é preciso saber quanto desses bilhões vão chegar aos grandes “players” do setor, como as incorporadoras MRV, Cury, Direcional, Plano&Plano e Tenda. É preciso também entender se haverá recursos da União para as faixas superiores da política, ou se elas continuarão sendo atendidas apenas pelo FGTS.
O funcionamento da faixa 1 ainda não está claro e as grandes incorporadoras estão “reticentes” e “esperando para ver” o que vai acontecer antes de tomar uma decisão, segundo André Mazini, que lidera a equipe de analistas do Citi. “O ideal é que seja criada uma conta apartada, como um patrimônio de afetação do faixa 1, e que o dinheiro seja colocado nela, para as construtoras terem certeza que não vai faltar, mas não temos indicação de que isso vai acontecer”, diz.
A preocupação vem do fato de que entre 2014 e 2016 houve atrasos no repasse de recursos para as companhias que tinham projetos na faixa inicial.
Em 14 de fevereiro, quando participou da entrega de um empreendimento do
programa que estava com obras atrasadas, Jader Filho reforçou que a meta é ter 2 milhões de moradias feitas pelo MCMV até 2026.
Mazini analisa que metade dos R$ 10 bilhões seriam suficientes para 50 mil
residências totalmente subsidiadas, se cada uma custar R$ 100 mil. “Dificilmente vão conseguir sustentar esse patamar de lançamentos só com unidades 95% financiadas”, afirma Grassi.
No relançamento do programa, o governo ressaltou que haveria um foco em levar as moradias para mais perto das áreas que já possuem infraestrutura,
diferentemente do modelo mais comum, de construir em grandes áreas nas
periferias urbanas. Também foi destacada a possibilidade de locação social e de retrofit (reforma e mudança de uso) de imóveis abandonados.
Para Margareth Uemura, coordenadora de urbanismo do Instituto Pólis, organização da sociedade civil que faz assessoria de políticas públicas, é fundamental que mudanças de diretrizes, como as citadas acima, ocorram.
Ressalta ainda ser preciso mudar a escala dos projetos imobiliários do MCMV, para dar mais qualidade de vida aos moradores. Segundo ela, já está comprovado que as construções em grande escala destroem os conjuntos habitacionais com o passar do tempo. “A lógica de ter enormes áreas para construção não é a mais adequada”, afirma. Conjuntos menores seriam mais fáceis de gerir e mais amigáveis para uma população que, em geral, está habituada a morar em casas isoladas e unifamiliares.
A locação de unidades, em vez da exclusividade da posse, pode ajudar a trazer
famílias para mais perto dos centros urbanos, diz Uemura. “Poderiam fazer isso em imóveis da União em áreas centrais”, analisa.
Ela sugere um modelo de concessão, no qual as famílias paguem pela manutenção do imóvel e possam mudar de casa quando for mais conveniente, em vez de ficar fixas em um local, muitas vezes longe do trabalho, educação, saúde e lazer.
Para a coordenadora, ao fazer megaprojetos em áreas periféricas, se está apenas “jogando para a frente” o problema do déficit habitacional, porque as famílias não vão permanecer naqueles espaços por muito tempo e vão mudar para outras áreas, sejam elas regulares ou não.
Na visão de Mazini, tentar aproximar a moradia de interesse social das áreas com infraestrutura é boa política pública, mas pouco viável pelo custo dos terrenos. “Sou cético com isso, não dá para fazer milagre”, diz. “Dá para levar infraestrutura urbana para onde está sendo o faixa 1”. Se a operação não der lucro, não haverá companhias dispostas a construir.