Quarta-feira, 01 de maio de 2024

Pandemia agrava problemas e aumenta tensão no lotado sistema prisional da América Latina

Quando os primeiros casos de covid-19 foram confirmados na América Latina, em março do ano passado, a maioria dos países nem tentou garantir um distanciamento significativo para proteger os 1,7 milhão de presos na região — o que seria praticamente impossível na maioria das prisões superlotadas.

Em vez disso, grande parte dos governos tentou isolar completamente as penitenciárias, suspendendo por tempo indeterminado as visitas e as permissões de saída. A medida, no entanto, agravou a situação: sem as visitas, os presos perderam a principal fonte de ajuda, já que, em muitos países, alimentos e medicamentos eram fornecidos pelas famílias.

A situação do sistema prisional da região ganhou os holofotes na semana passada, quando uma rebelião em uma penitenciária no Equador deixou 118 mortos, num dos piores massacres em prisões da História da América Latina, com mais vítimas do que o notório massacre do presídio do Carandiru, em São Paulo, em 1992.

Um relatório de maio do ano passado da Human Rights Watch (HRW) mostrava que, apenas nos dois primeiros meses da pandemia, mais de 50 presos haviam morrido e centenas ficaram feridos em protestos ou fugas em Colômbia, Venezuela, Argentina, Brasil, Venezuela e Peru.

Os presos diziam não ter sabão ou cuidados médicos adequados e que, com as visitas suspensas, seus parentes não poderiam mais lhes trazer alimentos e produtos de higiene. De lá para cá, a situação só piorou.

“Proibir visitas sempre é uma fonte de conflito porque quase todo o sistema penitenciário da região não atende as necessidades básicas das pessoas privadas de liberdade”, afirma Gustavo Fondevila, professor e investigador no Centro de Investigação e Docência Econômicas (Cide) no México e especialista em sistemas carcerários latino-americanos. “É a família que leva medicamentos, roupa e até dinheiro, que muitos usam para pagar taxas para se alimentar melhor, não apanhar ou comprar drogas.”

Outra pesquisa, de de junho deste ano, realizada pelo Instituto de Pesquisa de Políticas de Crime e Justiça (ICPR) da Universidade de Londres, mostra que os impactos sociais e de saúde causados pela pandemia e as medidas tomadas para contê-la são mais graves em países com prisões superlotadas e com poucos recursos — caso da maioria dos países latino-americanos.

No relatório do ICPR, que examinou as medidas tomadas em 10 países durante a pandemia, incluindo o Brasil, um preso de São Paulo disse que contava exclusivamente com sua mulher para levar medicamentos, “porque o único remédio disponível na a prisão era para alívio da dor”.

“Eu também costumava contar com minha parceira para enviar um pacote de comida a cada dois meses. A comida da prisão era muito pouca e muito pobre: pão velho, sobras de arroz, salsicha”, contou.

A mãe de dois presos brasileiros, por sua vez, disse que a falta de qualquer contato, seja por meio de visitas ou cartas, a havia deixado e a outras mães desesperadas com a falta de notícias: “Parentes ficam desesperados com medo de receber o corpo de seu ente querido em um caixão fechado”.

A superlotação, que afeta a imensa maioria dos presídios na região, também serviu para agravar a situação durante a pandemia, quando o distanciamento social se revelou impossível. Uma das razões que explicam os números tão altos é a alta taxa de presos sem julgamento, explica Cesar Muñoz, pesquisador da HRW. Na Bolívia, 65% de todos os detidos estão em prisão preventiva. No Brasil, onde houve uma melhora nos últimos anos graças a mutirões promovidos pela Justiça, a taxa é de cerca de 30%.

“A propagação do vírus é favorecida pelas péssimas condições das prisões da região: lugares fechados e sem ventilação, muitos deles superlotados e com falta de acesso a água. Essa situação desastrosa cria as condições perfeitas para que o coronavírus se espalhe”, afirma Muñoz. “Por isso, reduzir a superlotação seria uma das respostas. É possível fazer isso de forma responsável e sem prejudicar a segurança pública.”

Segundo Muñoz, o único país que tomou medidas efetivas nesse sentido foi o Chile, que aprovou um projeto de lei para diminuir as prisões provisórias durante a pandemia. No México, o governo vem elaborando um documento legal para permitir a libertação de presos torturados, maiores de 75 anos, doentes crônicos de mais de 65 anos ou que estejam presos sem sentença há mais de 10 anos por delitos menores.

Na Bolívia, para reduzir a severa superlotação das prisões, o então governo interino de Jeanine Áñez emitiu, em abril do ano passado, um decreto liberando certas categorias de detidos. Em fevereiro de 2021, foi a vez do novo governo de Luis Arce baixar um decreto semelhante.

O impacto das medidas sobre o número total de presos, no entanto, foi muito pequeno. Um relatório da HRW mostrou que as prisões bolivianas mantinham 18.126 presos em janeiro de 2020; 17.863 pessoas em fevereiro deste ano; e 17.908 em agosto.

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