Sábado, 02 de agosto de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 1 de agosto de 2025
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) firmou um acordo de não persecução cível com familiares do notório Paulo Maluf, de 93 anos. Pelo pacto, R$ 210 milhões deverão voltar aos cofres da Prefeitura da capital paulista a título de indenização pelo desvio de vultosos recursos públicos pelo ex-prefeito entre 1993 e 1996, período em que ele administrou a metrópole. Foi um negócio e tanto para “Doutor Paulo” e seus herdeiros.
Estima-se que Maluf tenha desviado US$ 300 milhões – o equivalente a cerca de R$ 1,7 bilhão – em contratos superfaturados com empreiteiras responsáveis pela construção do Túnel Ayrton Senna e da Av. Água Espraiada, hoje Av. Jornalista Roberto Marinho. Passados quase 30 anos, a cidade de São Paulo só conseguiu recuperar pouco mais da metade do dinheiro surrupiado (US$ 160 milhões). Portanto, o acordo firmado há poucos dias entre o MP-SP e os filhos, uma ex-nora e um ex-genro do ex-prefeito foi uma pechincha para o clã Maluf.
Uma Justiça que tarda e não provê à sociedade uma reparação à altura do dano causado por seus inimigos é uma Justiça falha. A longa vida de crimes do sr. Maluf, resta evidente, foi ricamente recompensada pela incompetência do Estado para reaver em tempo razoável o volume descomunal de dinheiro que esse cidadão, descaradamente, desviou dos cofres paulistanos.
No que concerne à sua responsabilização penal, Maluf também não tem do que se queixar da generosidade do Estado. O ex-prefeito só foi condenado em definitivo por aqueles desvios pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, passando a cumprir pena de prisão – em regime domiciliar, dadas sua idade e condição de saúde – a partir de 2018. Quatro anos depois, o ex-prefeito foi beneficiado com a extinção da pena por um indulto natalino assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro – uma espécie de Maluf piorado.
O caso Maluf, às raias da caricatura, é a epítome de um vício crônico da Justiça brasileira: a sua inadmissível morosidade. Não há como ignorar que um dos maiores escândalos de corrupção da história recente da capital paulista termina com uma punição branda, tardia e, em última análise, ineficaz. É óbvio que a indenização de R$ 210 milhões é melhor do que nada – sobretudo se o prefeito Ricardo Nunes souber empregá-la de modo a resolver ou mitigar os muitos problemas da cidade que ele administra. Mas isso é uma fração do que Maluf se serviu à custa dos contribuintes, razão pela qual não cabe qualquer tipo de contentamento por esse acordo.
Por mais que a indenização possa ser reconhecida, com muita boa vontade, como um avanço institucional possível, ela chega tarde demais e em valor que não corresponde à gravidade do crime nem ao prejuízo causado à sociedade paulistana. Nesse sentido, o legado de Maluf é menos o de um político habilidoso e realizador, como seus defensores ainda hoje insistem em sustentar, e mais o de um símbolo de corrupção e de leniência estatal.
Em que pesem seus benefícios, esse acordo de não persecução cível é o retrato de um Estado que claudica para punir com rigor poderosos que traem seus mandatos, quando estes deveriam ser enfrentados com ainda mais firmeza. (Opinião/O Estado de S. Paulo)