Terça-feira, 04 de novembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 3 de novembro de 2025
	
			
Vencedor de três Oscars e com atuações marcantes e totalmente dedicadas em filmes como “Sangue Negro”, “Lincoln” e “Meu Pé esquerdo”, Day-Lewis é frequentemente aclamado como o maior ator vivo do mundo. Mesmo assim, ele luta há muito tempo com sentimentos complexos sobre a sua carreira e os deveres públicos que a acompanham.
Propenso a fazer pausas de anos entre papéis, Day-Lewis emitiu uma declaração incomum em 2017, após as filmagens de “Trama Fantasma”, para anunciar que não trabalharia mais como ator. Será que ele poderia ser atraído de volta nas circunstâncias certas, como aconteceu uma vez antes, quando saiu da semi-aposentadoria para filmar “Gangues de Nova York” (2002), de Martin Scorsese? Ou seria este realmente o fim de uma carreira cinematográfica lendária?
Nos anos seguintes, as pessoas só ficaram mais curiosas sobre as circunstâncias de sua longa ausência. Até mesmo Day-Lewis, que continuou a se manter longe dos holofotes, pôde sentir esse interesse crescente.
Nós nos encontramos para discutir o novo drama “Anemone”, que pôs fim à sua aposentadoria – pelo menos por enquanto. Atualmente em cartaz nos cinemas nos Estados Unidos, “Anemone” é a estreia na direção do filho de Day-Lewis, Ronan, e traz o ator de 68 anos como Ray, um ex-soldado taciturno que vive uma vida de solidão autoimposta nas florestas do norte da Inglaterra.
Depois de anos longe da vida, ele é procurado por seu irmão, Jem, papel de Sean Bean, que espera trazer Ray de volta para casa e enfrentar o filho problemático que ele deixou para trás. Mas antes que isso aconteça, os irmãos precisam confrontar os traumas há muito enterrados que ainda os assombram.
Day-Lewis começou a escrever o filme com Ronan há vários anos, quando ainda estava em plena aposentadoria. “Sabendo que era bem possível que eu não voltasse a trabalhar como ator, senti uma espécie de tristeza antecipada por não poder trabalhar com Ronan quando ele fizesse filmes, então sugeri que tentássemos inventar algo por si só”, disse ele.
À medida que o projeto avançava e ele aceitava atuar no filme, Day-Lewis teve que encarar seus próprios sentimentos sobre se tornar uma figura pública novamente. Mesmo no auge da fama, ele evitava a imprensa, e nossa conversa foi a primeira entrevista solo que ele concedeu em quase uma década.
1-Você sempre foi cauteloso em sua relação com a imprensa e o público. Algo mudou desta vez?
Não, na verdade. Acho que, devido ao longo período em que estive fora do ramo, os nervos estão um pouco à flor da pele. Sempre amei o trabalho que faço —essa parte sempre foi como comida e bebida para mim—, mas nunca me acostumei com os outros aspectos do estilo de vida em torno do trabalho. Ainda me sinto como um adolescente tendo que lidar com o processo nada natural de ser uma figura pública.
2-O que parece menos natural para você?
Não há nada para reclamar, porque obviamente faz parte do sistema em que você está inserido, mas muitos atores são pessoas bastante tímidas. Definitivamente, sou uma pessoa quieta, e nunca me ocorreu que, pelo fato de você estar fazendo esse trabalho, você estivesse pedindo atenção. Sempre foi um tanto chocante que isso se infiltrasse na vida cotidiana, e lutei arduamente ao longo dos anos para manter esses mundos separados, nem sempre com sucesso.
Me sinto um ingrato, mas não é natural para mim falar sobre o trabalho. Não tenho impulso de falar sobre o trabalho, exceto quando estou nele.
3-A diferença é que você prefere falar sobre o trabalho com seus colegas do que com alguém depois do ocorrido?
As transações que acontecem entre você e seus colegas são de um tipo muito particular, e a partir do momento em que eu chego ao set, espero que a conversa já tenha mais ou menos terminado e você esteja dentro daquele mundo que tentou criar para si mesmo. Falar sobre isso agora é um pouco fraudulento, porque estou tentando reconstruir uma experiência da qual tenho muito pouca compreensão objetiva. Eu realmente vou tentar encontrar uma maneira de responder a qualquer coisa que você me pergunte, mas não tenho certeza absoluta de que não seja apenas uma reinvenção em retrospectiva.
4-Existe uma conexão entre o desejo de se isolar e muitos dos personagens que você interpretou que vivem isolados, incluindo Ray em “Anemone”?
Parece que sim, embora não tenha sido parte do nosso trabalho consciente quando começamos a tentar escrever isso. Eu não vivo uma vida de eremita — apenas vivo em silêncio com minha família e meus amigos em um lugar que é mais ou menos um santuário. Portanto, não tenho absolutamente nada em comum com Ray, que tenta escapar do mundo. No caso dele, é quase um ato perpétuo de contrição.
5-Artisticamente, você disse que só trabalharia se sentisse o desejo criativo ardendo novamente. Apesar do seu medo de ser uma pessoa pública, essa chama artística retornou?
Sim, fico feliz que você tenha feito essa distinção. Ela estava lá.
6-Então, como você se sentiu no seu primeiro dia de volta ao set?
Uma das coisas estranhas sobre o mundo do cinema é que ele exige uma quantidade enorme de equipamentos e um grande número de pessoas, mesmo em uma produção relativamente pequena. Tenho que encontrar um jeito de ignorar toda essa parafernália, mas certamente com a visão dos trailers, dos cabos e do equipamento, o coração para por alguns segundos.
Mas, dito isso, se o trabalho foi realizado adequadamente nos meses que antecedem o momento em que nos encontramos no set, minha esperança é que pareça uma continuação do trabalho que já está acontecendo, que nunca seja como o Dia 1. O trabalho já está acontecendo, você simplesmente continua fazendo.