Domingo, 28 de setembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 28 de setembro de 2025
Imagina a cena: Sérgio Moro entra com uma ação contra Gilmar Mendes. Quem vai julgar? A primeira turma do STF. E quem é o presidente da turma? Cristiano Zanin — o advogado de Lula que, anos atrás, acusou Moro de suspeição no caso do triplex. Você realmente leva a sério um julgamento desses?
Ser o presidente ou não da turma é o que menos importa: é impossível que, quando o poder do país se concentra nas mãos de apenas 11 pessoas, elas não se defendam, naquela velha prática do corporativismo institucional.
Eu temo, de verdade, soar repetitiva. Mas acho tão absurdas as circunstâncias com as quais nos confrontamos que não consigo deixar de falar. Seguidamente, sinto-me engolida pela sensação de que banalizamos princípios básicos. E que ninguém dá bola, porque, afinal, já virou normal. Essa promiscuidade de papéis que envolve os julgamentos do nosso Supremo Tribunal Federal é um desses casos — mas ninguém dá bola!
A gente aprende na faculdade de Direito que juiz não pode ter interesse na causa, nem ligação direta com as partes. Mas parece que, no STF, a regra é outra: quanto maior o conflito de interesse, mais garantida está a cadeira.
É como se, num campeonato de futebol, o juiz da partida fosse o ex-empresário de um dos times em campo. Você até pode acreditar que ele vai tentar ser justo, mas o simples fato de já ter tido ligação direta com um lado coloca em xeque a credibilidade do jogo inteiro. Não adianta o apito soar: a torcida já entrou desconfiada.
Ou como se, numa empresa, a chefe de RH tivesse que decidir uma disputa trabalhista em que a parte contrária é a sua irmã. Mesmo que ela seja correta, ética e de boa-fé, a dúvida será inevitável. Porque, no fundo, todo mundo sabe: a relação pessoal fala mais alto do que qualquer discurso de imparcialidade.
E veja bem: não se trata apenas de ética profissional. Trata-se de humanidade. Somos todos humanos — ministros também. E, como qualquer ser humano, carregam lembranças, afetos, desafetos, preferências. É impossível imaginar que alguém que já acusou uma parte de suspeição consiga, anos depois, sentar-se diante dela com a frieza de uma máquina.
Mesmo que o ministro seja o mais ético dos profissionais, a tendência natural é pender contra. É psicológico, quase instintivo. E é justamente por isso que a lei exige imparcialidade não só no ser, mas também no parecer. Não basta ser neutro; é preciso que o julgamento pareça neutro aos olhos da sociedade. E é aí que o STF falha de forma gritante.
Qual seria a solução? O fim do foro privilegiado, em primeiro lugar. Porque, enquanto políticos e poderosos continuarem blindados sob a toga do Supremo, o enredo será sempre o mesmo: personagens que se cruzam em julgamentos, laços pessoais mais fortes que a imparcialidade e um tribunal que já não guarda a Constituição — apenas guarda os seus próprios.
E não é de hoje que esperamos por isso. O fim do foro privilegiado é pauta antiga, promessa de campanha de todos os matizes políticos, projeto esquecido em gavetas e discursos. O tempo passa, a indignação aumenta, mas a blindagem permanece. E quanto mais se adia, mais evidente fica que não há interesse real em cortar esse cordão umbilical que protege os poderosos da Justiça comum.
O STF, há muito tempo, deixou de ser a casa da Justiça cega. Virou um tribunal político, onde decisões jurídicas se confundem com conveniências ideológicas e interesses de ocasião. E, enquanto aceitarmos isso como normal, a democracia seguirá sequestrada por onze senhores de capa preta.
Ali Klemt (@ali.klemt)