Sexta-feira, 04 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 14 de setembro de 2023
A investigação da Polícia Federal (PF) sobre a fraude na compra de coletes balísticos pelo Gabinete de Intervenção Federal (GIF) descobriu que um coronel da Aeronáutica foi o responsável por produzir um documento com indícios de falsificação. Conversas extraídas do celular do oficial da reserva Glaucio Octaviano Guerra, apontado pela PF como um dos mentores da fraude, apontam que ele foi o autor de uma carta anexada ao processo de aquisição dos coletes que foi o estopim para a suspensão da compra pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
O documento é uma carta assinada pelo presidente da firma Applied Fiber Concepts, Alex Cejas, que certifica que a CTU Security LLC — empresa da qual o coronel Guerra era consultor e que fechou contrato com a Intervenção para fornecimento de coletes balísticos — estava autorizada a comercializar os equipamentos produzidos por ela.
Em julho de 2019, sete meses depois que a aquisição junto à CTU Security foi publicada em Diário oficial, o próprio Alex Cejas enviou um e-mail ao GIF alegando que “nem ele nem a Applied Fiber Concepts tem qualquer tipo de relação ou acordo com a CTU”. Cejas também afirmou que estava processando a CTU “por falsificar sua assinatura e usar fraudulentamente o nome e as certificações de sua empresa”.
Um diálogo extraído do celular do coronel Glaucio Guerra mostra como se deu a fabricação do documento. Em dezembro de 2018, o coronel e seu irmão, o ex-auditor fiscal Glauco Guerra, estavam mobilizados para conseguir fechar o contrato com o GIF e, para isso, precisavam comprovar a ligação entre a CTU e a empresa que fabricava os coletes, a Applied. “Consegue fazer um documento que Applied e CTU são parceiras, sei lá, alguma coisa nesse sentido? O que tu acha?”, perguntou Glauco ao irmão.
“Eu pensei tb nisso, uma carta da Applied dizendo que a CTU está autorizada a produzir OEM (Original Equipment Manufacturer, termo usado para designar fabricantes que montam e desenvolvem produtos para outras empresas)”, respondeu Glaucio.
O irmão retrucou que Glaucio tinha “expertise” para produzir o documento e ainda disse que a dupla já havia sido parabenizada pela vitória na disputa pelo contrato — mesmo que o processo ainda estivesse em curso, o que comprova, segundo a PF, que a compra foi direcionada. “Isso, Glaucio! Faz isso, dá para tu fazer aí na tua expertise, de produzir esses documentos aí. Faz isso aí e me manda, que amanhã eu junto, traduzo e entrego que já fomos parabenizados pela vitória”, disse.
“Fazendo hoje, envio até o fim da noite”, finalizou Glaucio, que de fato mandou o documento pelo WhatsApp naquele mesmo dia para o irmão.
Em 2013, Glaucio foi nomeado chefe da Divisão de Logística da Comissão Aeronáutica Brasileira em Washington e, desde então, mora nos Estados Unidos. A investigação da PF sobre a compra teve início a partir da apreensão de seu celular, em agosto de 2022, pela Agência de Investigações de Segurança Interna americana (HSI, na sigla em inglês). O oficial era suspeito de ligação com a CTU, apontada pelas autoridades americanas como responsável por fornecer logística militar para o homicídio do presidente do Haiti Jovenel Moise, em julho de 2021. As mensagens extraídas do aparelho foram compartilhadas com a Polícia Federal, que descobriu a participação de Glaucio na fraude.
Já seu irmão Glauco tem um histórico de problemas com a Justiça: ele foi demitido da Receita Federal por suspeita de enriquecimento ilícito e também foi preso em 2020 sob a acusação de obter vantagens na compra emergencial de respiradores para pacientes de covid.
A dupla é alvo da investigação da PF que apura os crimes de advocacia administrativa ilegal, dispensa ilegal de licitação e corrupção. Segundo o TCU, a compra dos coletes balísticos pela Intervenção — fechada em cerca de R$ 40 milhões — teve um sobrepreço de cerca de 4,6 milhões. Após a suspensão do contrato por conta da suspeita de falsificação, o valor foi estornado em setembro de 2019. Nenhum colete foi entregue.
Caso
Dois coronéis da reserva trabalharam ativamente para direcionar, em nome da empresa americana CTU Security LLC, a compra de 9.360 coletes balísticos pelo Gabinete de Intervenção Federal (GIF) em 2018. Segundo um relatório da Polícia Federal, o oficial da reserva da Aeronáutica Glaucio Octaviano Guerra foi o principal operador da fraude. Já o coronel da reserva do Exército Diógenes Dantas Filho, que compareceu a sessões públicas do processo de compra em nome da empresa, atuava como lobista junto aos militares do GIF e trabalhou, segundo a PF, para enquadrar as especificações do colete de acordo com aqueles fornecidos pela empresa.
A investigação que culminou na Operação Perfídia — que cumpriu 16 mandados de busca e apreensão na terça-feira (12) — apontou que houve um sobrepreço de R$ 4,6 milhões na compra dos coletes pelo GIF. O acordo acabou cancelado por suspeitas de irregularidades, e todo o valor pego pelo governo foi estornado.