Sexta-feira, 04 de julho de 2025

Por que a Semana Santa é chamada de Semana de Turismo no Uruguai e o que isso revela sobre o país

Se você visitar o Uruguai agora mesmo, descobrirá que nos dias em que cristãos de todo o mundo comemoram a chamada Semana Santa ali tem um nome diferente: Semana do Turismo.

Alguns uruguaios também a chamam de Semana Criolla, em referência ao nome das populares competições de cavaleiros que montam cavalos indisciplinados nessas mesmas datas.

Outros falam em Semana de la Cerveza, uma festa que costuma acontecer na cidade de Paysandú, na fronteira com a Argentina, com shows musicais e, claro, muita bebida.

Existem outros nomes possíveis, como Semana de la Vuelta Ciclista, devido a uma prova por etapas que ocorre desde 1939.

Mas o Uruguai a definiu oficialmente como Semana do Turismo há mais de um século, algo que reflete a profunda tradição secular deste país, apontado por pesquisas como o menos religioso da América Latina.

Um processo “exitoso”

O Estado uruguaio começou a se distanciar da Igreja a partir de 1860, com medidas como a secularização dos cemitérios e a criação de um registro civil para registrar nascimentos, casamentos e óbitos, tarefa que até 1879 estava apenas na órbita católica.

Embora o catolicismo fosse predominante no país, o arcebispo de Montevidéu, cardeal Daniel Sturla, destaca que “quando começou o processo de secularização no Uruguai, a Igreja era frágil, não tinha muita força, e isso também contribuiu para que fosse tão exitoso”.

O processo teve um impulso definitivo no início do século 20 com os dois mandatos presidenciais de José Batlle y Ordóñez (1903-1907 e 1911-1915), líder do Partido Colorado, que foi fundamental na construção do Uruguai moderno e liberal.

Inspirado nas ideias políticas e filosóficas que circulavam na Europa, particularmente na França, “Pepe” Batlle tinha uma concepção racionalista espiritualista, escrevia “Deus” com letra minúscula na imprensa e promovia reformas sociais contrárias aos interesses da Igreja Católica.

As mudanças foram desde a retirada dos crucifixos dos hospitais públicos até a eliminação do ensino religioso nas escolas públicas, bem como a possibilidade de divórcio por vontade exclusiva da mulher.

Separação

A separação entre Estado e Igreja Católica foi definitivamente estabelecida na Constituição que entrou em vigor em 1919 no Uruguai.

No mesmo ano, foi aprovada no país uma lei de feriados que mudaria o nome de diversas datas católicas: 6 de janeiro passou a ser Dia das Crianças em vez de Dia de Reis Magos, 25 de dezembro passou a ser Dia da Família em vez de Natal e a Semana do Turismo substituiu a Semana Santa.

Houve também a proposta de separar, no calendário, esta semana daquela que os cristãos celebram entre o Domingo de Ramos e a Páscoa, algo que foi descartado devido à importância que o turismo argentino no Uruguai começava a adquirir, diz Mónica Maronna, historiadora e coautora do livro 100 años de laicidad en Uruguay (100 anos de laicidade no Uruguai, em tradução livre).

Mas destaca que a simples mudança de nome naquele contexto “marca que o Estado toma uma posição e diz que não é republicano assumir o nome de uma religião, de um culto”.

Minoria

Essas mudanças parecem ter deixado uma marca duradoura na sociedade uruguaia, que hoje conta com 3,4 milhões de pessoas.

O Uruguai é o país da América Latina com o maior percentual de população que declara “nenhuma” quando questionada sobre sua religião: 47%, segundo a pesquisa Latinobarômetro realizada no ano passado em 17 países da região. Depois aparece o Chile, com 29%.

Se somarmos ateus e agnósticos aos que se definem como não tendo religião, praticamente metade dos uruguaios são não religiosos (49%), mais que o dobro do que no início deste século, enquanto a proporção de cristãos despencou mais de 20 pontos.

Embora o Natal continue a ser popularmente chamado assim no Uruguai, apesar da lei de feriados, o nome Semana do Turismo é rigorosamente utilizada pelo Estado e, na prática, por grande parte da população.

Nesta semana, com centros educacionais e repartições públicas fechadas, muitos uruguaios viajam pelo país para participar de eventos diversos, descansar perto das praias ou acampar e caçar no campo.

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