Sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Por que empresários recusam a dolarização na Argentina proposta pelo candidato de oposição à presidência do país

Em uma economia em crise e engessada pela intervenção estatal, o setor produtivo argentino não quer a continuidade do kirchnerismo e saúda alguns planos de liberalização econômica do radical de direita Javier Milei (La Libertad Avanza), mas são unânimes em rejeitar o projeto de dolarização.

Entre os empresários, Milei, vencedor das primárias de agosto e líder nas pesquisas de intenção de votos com cerca de 33%, é visto como uma incógnita não só por ser um outsider da política, mas pela polêmica proposta de renunciar ao peso argentino.

“A dolarização é um desastre, já vivemos isso e sabemos que não funciona”, diz o presidente da Bodegas Kaufman, Rubén Martin Kaufman. Embora a situação econômica seja “nefasta, com a moeda desvalorizada e sem crédito para o setor produtivo”, Kaufman considera que Milei não inspira confiança e, se eleito, as expectativas “serão ruins porque não parece ter moderação para o diálogo”.

O empresário avalia que Patricia Bullrich, ex-ministra de Segurança (2015-2019) e candidata do partido de centro-direita Juntos por el Cambio, tem um discurso mais coerente e possui pulso forte para tomar medidas sem ser explosiva como Milei – cujas propostas, como legalizar o porte de armas, permitir o comércio de órgãos humanos e fechar o Banco Central, “também são um terror”.

Bullrich, que já esteve entre as favoritas na eleição, está em empate técnico com o candidato peronista e ministro da Economia, Sergio Massa (Unión por la Pátria), com 28% e 32%, respectivamente.

A Associação Empresarial Argentina (AEA), uma das organizações que reúnem as empresas mais importantes do país, emitiu uma nota que critica a ingerência do Estado na economia e nos poderes Judiciário e Legislativo, cujo combate é uma bandeira de Milei. Mas também defende a educação inclusiva e destaca que “sem empresas não há país”, o que poderia ser um recado para Milei que promete acabar com a educação pública.

Em contraste com a posição de Milei, que já avisou que não fará negócios com o Brasil, assim como com a China e a Rússia, Jaime Campos, presidente da AEA, destaca ao Valor sua “grande simpatia para com o Brasil”.

“Puxar briga com o Brasil é um tiro no pé porque sem o mercado brasileiro a economia argentina não existe e vice-versa”, diz uma fonte do setor de Energia que pede manter seu anonimato.

Muitas das propostas de Milei coincidem com o desejo do empresariado: corte profundo de gastos públicos, redução do déficit fiscal, equilíbrio macroeconômico. “Mas ninguém sabe como ele vai fazer isso. Não o conhecemos, nem sabemos como vai atuar uma vez que for eleito”, afirma a fonte.

O diretor-geral da empresa de serviços de saúde Medifé Argentina, Jorge Piva, diz se preocupar com a pouca clareza dos programas dos candidatos. “Só temos incertezas”, afirma. “Não há segurança de que as medidas que vieram à tona terão algum respaldo no Congresso. A dolarização, por exemplo, é inconstitucional”, diz.

O executivo observa que o quadro atual com uma terceira força política no páreo é novo no país. Ele destaca que a combinação de escassez de divisas, inflação descontrolada e déficit fiscal crescente exigirá que novo governo tenha respaldo político para adotar leis fundamentais para estabilizar a economia.

“Aparentemente não há margem para adotar medidas gradativamente”, diz Piva. “Será necessária uma medida de choque e se isso não for bem pensado, o risco da situação pode aumentar”, opina.

O presidente da Sociedade Rural da Argentina, Nicolas Pino, apesar de se declarar otimista com o futuro, também expressa preocupação com o principal problema hoje do setor: as tarifas sobre as exportações, as “retenciones”, e os vários tipos de cambio. “Isso nos faz perder competitividade em todas as áreas”, afirma.

“Ouvi Milei dizer que se ganhar as eleições acabaria com as retenções de maneira imediata”, declara. Pino afirma que a dolarização “não ajudaria o campo porque continuaria trabalhando com outra moeda e não resolve o problema”. O líder ruralista diz que a solução passa pelo fim do imposto sobre a exportação, unificação dos tipos de câmbio e implementação de políticas de Estado de médio e longo prazo.

O gerente para Argentina, Paraguai e Uruguai da multinacional Logicallis, Alejando Sajon, insiste que a economia precisa ter um governo previsível. “Precisamos de marcos estáveis, legal e fiscal, para orientar decisões de médio e longo prazos”, afirma. Sajon critica “a mudança de regras o tempo todo, como ocorre neste governo”.

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