Terça-feira, 07 de outubro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 6 de outubro de 2025
O prêmio Nobel de Medicina de 2025 premiou o trio Shimon Sakaguchi, Mary Brunkow e Fred Ramsdell pela identificação das células T reguladoras (Tregs) e do gene FOXP3, que funcionam como um “freio” natural do sistema imunológico.
As Tregs impedem que o corpo ataque a si mesmo — mas alguns tumores se aproveitam desse mesmo mecanismo para escapar da resposta imune.
A descoberta ajudou a entender por que certos tumores “se camuflam” e a desenvolver imunoterapias capazes de bloquear os freios do sistema imune, como os medicamentos anti-PD-1 e anti-CTLA-4.
Pesquisas atuais tentam modular as Tregs — eliminando-as dentro dos tumores (com drogas como mogamulizumabe e camidanlumabe) ou ativando-as para tratar doenças autoimunes e rejeições de transplantes.
O conhecimento sobre a tolerância imune periférica abriu caminho para uma nova geração de imunoterapias personalizadas, ajustando o grau de resposta imune de acordo com o tipo de tumor e o perfil genético de cada paciente.
A descoberta dos mecanismos da tolerância imune periférica, que rendeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2025 a Shimon Sakaguchi, Mary Brunkow e Fred Ramsdell, vai muito além da imunologia básica.
O entendimento sobre como o corpo evita se voltar contra si mesmo abriu também uma frente decisiva na oncologia moderna, ajudando a explicar por que certos tumores conseguem “enganar” o sistema de defesa — e como medicamentos podem reverter isso.
“As células T reguladoras — ou Tregs — são o coração desse equilíbrio. Elas freiam a resposta imune para impedir autoimunidade, mas, em alguns contextos, esse mesmo freio é usado a favor do tumor”, explica Stephen Stefani, oncologista do Grupo Oncoclínicas e da Americas Health Foundation.
O sistema imunológico age como um sistema de vigilância capaz de identificar e eliminar microrganismos invasores ou células anormais. No entanto, ele também precisa reconhecer o próprio corpo e evitar ataques indevidos — é o que os cientistas chamam de tolerância imunológica.
O trabalho de Sakaguchi e dos colegas mostrou que, fora do timo — o órgão onde os linfócitos “aprendem” a distinguir o próprio corpo de agentes externos —, existe um segundo nível de regulação: a tolerância periférica, controlada por um tipo especial de linfócito T, as células T reguladoras.
Essas células funcionam como fiscais do sistema, impedindo que outras células de defesa passem dos limites. Quando o gene FOXP3, responsável por sua formação e controle, falha, o resultado são doenças autoimunes graves.
Mas o oposto também ocorre: tumores podem se valer desse mesmo mecanismo para se proteger, recrutando Tregs para se esconder do sistema imune.
“O sistema imune tem dois níveis de tolerância, ou seja, de capacidade de não agredir o próprio organismo. O primeiro é o central, no timo. Mas há também o periférico, que atua como um freio para conter respostas exageradas. Sem ele, o corpo se volta contra si mesmo; com excesso, pode proteger tumores”, explica Cristina Bonorino, coordenadora do Laboratório de Imunoterapia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Câncer
Segundo Stefani, a descoberta dos Tregs e do FOXP3 ajudou a entender como certos tipos de câncer — como o de pâncreas e o de pulmão de pequenas células — conseguem escapar da vigilância imunológica.
“Esses tumores recrutam Tregs para silenciar as células de ataque. É como se o inimigo sequestrasse o comando central da defesa”, afirma o oncologista.
A densidade dessas células dentro de um tumor, diz ele, já é estudada como biomarcador de resposta à imunoterapia. Em alguns cânceres, como o de cólon, altos níveis de Tregs até se associam a melhor prognóstico; em outros, indicam resistência ao tratamento.
“Essa descoberta foi fundamental porque nos mostrou de forma detalhada como os tumores conseguem se perpetuar, ludibriando o sistema imunológico para não serem atacados”, complementa o oncologista Daniel Vargas, membro do Instituto Vencer o Câncer.
“No câncer, há um aumento desses freios, incluindo as Tregs, o que permite que os tumores escapem da vigilância imunológica. Já nas doenças autoimunes, acontece o oposto — há uma deficiência dessas células”, explica Cristina Bonorino.
Imunoterapia
Essa compreensão inspirou uma nova geração de terapias baseadas na regulação imunológica. Ao modular as Tregs, pesquisadores buscam restaurar o equilíbrio perdido — seja para ativar a imunidade contra o câncer, seja para silenciá-la em doenças autoimunes.
O campo da imunoterapia — especialmente com os inibidores de checkpoint, como anti-PD-1 e anti-CTLA-4 — também se beneficia diretamente dessas descobertas.
Esses medicamentos funcionam justamente liberando os “freios” do sistema imune, permitindo que as células T ataquem o tumor.
“As vias bloqueadas por essas drogas são as mesmas envolvidas na função das Tregs. Entender esse mecanismo é essencial para usar a imunoterapia de forma mais eficaz e segura”, explica Stefani.