Domingo, 16 de novembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 16 de novembro de 2025
Em que momento nos sentimentos, efetivamente, velhos? Existe algum marco na vida, ou será que a percepção da passagem do tempo é paulatina? Será que é diante do cumprimento das nossas “obrigações sociais” que deixamos, enfim, de nos sentirmos úteis? Será, talvez, que é a própria sociedade que nos tira, aos poucos, do palco da vida e nos torna, enfim, apenas coadjuvante das realizações alheias?
Sim, eu sei, são perguntas profundas. E elas surgiram de uma conversa com o meu pai. Em um momento de reflexão conjunto, ele deixou escapar: “No batizado do Thomas, há 13 anos, eu entendi que deixei de ser protagonista da vida.” Tipo…Oi?
Eu me lembro desse dia. Lembro-me, inclusive, que ele me exteriorizou esse sentimento, na ocasião (aqui na minha família somos assim, não temos medo de expressar o que pensamos e o que sentimos, felizmente!). Há época, contudo, acho que não entendi. E, hoje, definitivamente, sei que não concordo. Mas deixarei isso lá para o final.
Ele trouxe a reflexão novamente. Mais de uma década depois. “O cara realmente levou isso a sério”, pensei eu. Pois é.
E, para ser bem sincera, só consegui sentir o baque (assim como um certo desconforto): quando é que a gente decide que a vida já não é mais nossa? Porque essa frase dele é um soco — ou, pior, um espelho. É o momento em que o ser humano, depois de décadas carregando o mundo nas costas, olha para si e conclui, quase em silêncio: “Pronto. Meu papel principal acabou.”
Mas será que acabou mesmo? Ou será que fomos treinados a acreditar nessa mentira generosa que empurra quem envelhece para fora do palco justo quando finalmente aprendemos a dançar? Sim, dançar. Porque é assim que devemos ver a vida, como um enorme – e divertido – espetáculo para nós mesmos.
O que tentei dizer ao meu pai — e talvez, no fundo, a mim mesma — é que essa visão é míope. Uma distorção cultural que transforma envelhecer em desaparecer. Porque, convenhamos: se existe uma fase em que alguém se torna verdadeiramente livre, é justamente depois dos 60.
Livre porque já cumpriu o ciclo social das obrigações. Cresceu, trabalhou, pagou boletos épicos, construiu família, errou, acertou, sobreviveu a crises, engoliu desaforos, protegeu quem amava e, com sorte, viu seus filhos se tornarem adultos decentes. Quem chega até aqui com saúde física, emocional e financeira carrega um privilégio raro: a licença poética de viver sem pressa e sem prova.
É a liberdade de desfrutar dos netos sem precisar educá-los. De viajar sem ter a gerência da casa pendurada na cabeça. De experimentar só o que realmente quiser. De recusar convites sem culpa — e aceitar apenas os que aquecem a alma. É o luxo existencial que só a maturidade concede: a vida sem desempenho.
Mas é claro que a passagem dos anos entrega um presente e cobra outro. E o preço é inegociável: o tempo encolhe. Um dia, você percebe que já viveu mais anos do que vai viver. Que não verá os netos terem netos. Que a estrada fez uma curva depois da qual não há retorno possível. A tal da finitude deixa de ser teoria e vira presença. Uma presença educada, mas insistente.
Ainda assim, tenho a sorte de viver para ver uma grande, enorme mudança cultural: as mulheres estão aprendendo mais rápido do que os homens a bênção que é envelhecer.
Sim, bênção. Porque envelhecer feliz é privilégio — aliás, envelhecer é a única alternativa desejável. A outra ninguém quer, ora bolas.
Hoje, é impressionante olhar para uma mulher de 60 anos. Ela é, simplesmente, jovem. Jovem de vitalidade, de lucidez, de coragem. É vibrante, animada, linda sem pedir licença para isso. E, talvez pela primeira vez na história, vemos um movimento coletivo que reescreve o significado dessa fase: o fim da fertilidade deixou de simbolizar o fim da utilidade.
Depois que passa o terremoto hormonal da menopausa, vem uma dádiva silenciosa: a sensação de pertencimento ao próprio corpo. A liberdade emocional. A coragem madura de escolher a si mesma. A mulher se torna sólida, forte, bem resolvida. Sábia. Feliz.
Mas, enquanto isso, muitos homens ainda se veem presos a um paradigma antigo: o da virilidade como valor supremo, o da juventude como medalha, o da produtividade como identidade. Como se envelhecer fosse sinônimo de perder o palco. Como se a vida, depois de certo ponto, fosse só plateia.
E não é.
Talvez esteja na hora de os homens permitirem a si mesmos a mesma revolução interna que as mulheres já iniciaram. De olhar para o envelhecer não como um rebaixamento, mas como um upgrade existencial. De entender que presença vale mais que performance. Que sabedoria vale mais que velocidade. Que liberdade vale mais que poder E, acima de tudo, que continuar sendo protagonista não tem nada a ver com idade.
Tem a ver com postura. Porque, no fim das contas, envelhecer não é perder espaço — é ganhar perspectiva. E talvez o maior desrespeito que possamos fazer à vida não seja temer o fim, mas desperdiçar o meio.
Se as mulheres já estão abrindo caminho, que os homens venham também. Com menos medo da curva do tempo ue, afinal, é inexorável, mas que é quem faz, enfim, a vida…inteira.
Ali Klemt
@ali.klemt