Sexta-feira, 06 de junho de 2025

Quando a miopia política ameaça o motor da inovação americana

Poucos elementos foram tão decisivos para a ascensão dos Estados Unidos à posição de potência global quanto a força de seu sistema universitário. Não é exagero afirmar que, além do poderio militar e econômico, o verdadeiro motor da supremacia americana nas últimas décadas foi, e segue sendo, seu domínio no campo do conhecimento, da inovação e da ciência. As universidades norte-americanas são, há mais de um século, os principais centros de produção de conhecimento do mundo. Harvard, MIT, Stanford, Yale, Princeton e dezenas de outras instituições não são apenas símbolos do prestígio acadêmico — são pilares estratégicos do soft power dos EUA.

Mas essa história de sucesso não se fez apenas com recursos internos. Um dos principais segredos desse ecossistema foi, e ainda é, sua capacidade de atrair cérebros do mundo inteiro. Todos os anos, centenas de milhares de jovens talentosos, pesquisadores brilhantes e futuros líderes deixam seus países para estudar nos Estados Unidos. Eles chegam não apenas em busca de uma formação de excelência, mas também trazendo diversidade de pensamento, experiências e perspectivas que retroalimentam a criatividade e a capacidade inovadora dessas instituições.

É, portanto, com perplexidade que o mundo assiste, nas últimas semanas, a movimentos políticos que buscam cortar ou restringir o financiamento federal a universidades como Harvard, sob alegações ideológicas, disputas políticas e pressões populistas. É uma miopia que surpreende — mas não deveria.

O paradoxo é evidente: ao mirar no que certos setores enxergam como bastiões do “globalismo”, “elitismo” ou de supostas agendas culturais contrárias aos interesses nacionais, o governo americano ameaça justamente um dos ativos mais estratégicos para sua própria prosperidade e segurança no século XXI.

Harvard, assim como outras universidades de ponta, não é apenas uma escola — é um centro de pesquisa que alimenta inovações nas áreas de tecnologia, medicina, energia, segurança cibernética e inteligência artificial. Boa parte das startups que formam o ecossistema do Vale do Silício, assim como empresas de biotecnologia, farmacêuticas e de defesa, nasceram de pesquisas desenvolvidas em universidades financiadas, em parte, por fundos públicos.

Cortar recursos, colocar em xeque a autonomia acadêmica ou restringir o ambiente de liberdade intelectual não significa punir uma suposta elite desconectada da realidade americana. Significa, isso sim, enfraquecer a própria capacidade dos EUA de se manterem competitivos frente à ascensão da China, da Índia e de outros polos emergentes de conhecimento e inovação.

No setor de tecnologia, aproximadamente 55% das startups de alto impacto no Vale do Silício foram fundadas por imigrantes ou filhos de imigrantes — muitos deles passaram, em algum momento, pelos corredores de Harvard, MIT ou Stanford.

Portanto, atacar essas instituições em nome de uma agenda política de curto prazo, pautada por guerras culturais, é não apenas um erro estratégico, mas uma ameaça direta à vantagem competitiva dos próprios Estados Unidos.

A história oferece lições claras. Sempre que sociedades buscaram isolar seus centros de saber, seja por meio de censura, cortes de financiamento ou perseguição a minorias, os resultados foram declínio econômico, atraso tecnológico e perda de influência geopolítica.

A força dos EUA nunca esteve apenas em seus porta-aviões ou em sua moeda forte. Ela se assentou, fundamentalmente, na sua capacidade de ser um polo de atração de talento, inovação e liberdade acadêmica. Ao colocar isso em risco, os Estados Unidos não estão apenas ferindo sua própria tradição — estão dando um tiro no próprio pé.

Se o século XXI é uma corrida pelo domínio das tecnologias emergentes, da inteligência artificial à biotecnologia, a miopia política que hoje ameaça Harvard e outras instituições não pode ser vista como uma disputa doméstica. É, na prática, uma ameaça ao próprio futuro da liderança americana no mundo.

(Instagram: @edsonbundchen)

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