Domingo, 28 de dezembro de 2025

Quando a mulher sangra, a sociedade adoece

A virada do ano costuma nos empurrar para reflexões inevitáveis. O que erramos? O que precisamos mudar? O que não pode mais ser normalizado? Talvez não exista pergunta mais urgente hoje do que esta: o que a sociedade está fazendo de errado com as mulheres?

O recente caso envolvendo Letícia Birkheuer, seu ex-companheiro e o filho adolescente expôs uma ferida que vai muito além de uma disputa familiar. Ele nos obriga a olhar para algo estrutural: a forma como a mulher segue sendo colocada em posições de vulnerabilidade, julgamento e desgaste emocional, mesmo quando está tentando apenas sobreviver.

Tudo começa com uma carta aberta. Um texto emocional, duro, publicado nas redes sociais. Houve exposição? Sim. Mas quem olha com honestidade vê ali uma mulher sangrando, no limite, falando de um processo judicial, de um sistema que ela considera injusto, tentando ser ouvida. Não era o lugar. Mas, quando a escuta falha, o grito vira recurso.

O problema não é apenas o grito. É o contexto.

A própria Letícia já relatou episódios de agressão verbal e ameaça física por parte do ex-companheiro. Não cabe aqui acusar ou absolver — isso é função da Justiça. Mas cabe refletir: posturas dominadoras existem. E quando existem, não atingem apenas o casal. Elas contaminam o ambiente familiar, moldam relações de poder e impactam diretamente os filhos.

Crianças e adolescentes são altamente influenciáveis. Buscam pertencimento, proteção e aprovação. Em ambientes de conflito, tendem a se alinhar a quem aparenta mais força, não por maturidade, mas por sobrevivência emocional.

Essa reflexão se torna ainda mais urgente quando olhamos para a realidade fora das redes.

Na véspera de Natal, enquanto muitas famílias se reuniam, Tainara morreu após semanas internada. Ela havia sido arrastada de carro pela Marginal Tietê pelo ex-companheiro, movido por ciúmes. Lutou pela vida, perdeu as pernas, mas não resistiu.

Um crime bárbaro. Uma violência extrema.

Porém, tragicamente, apenas mais um. E o mais triste? Os números explicam por que a barbárie já não choca como deveria.

Em 2024, o Brasil registrou 1.459 feminicídios — quase quatro mulheres assassinadas por dia.

No primeiro semestre de 2025, já foram 718 feminicídios, além de 33.999 estupros contra mulheres — cerca de 187 por dia!

Estima-se ainda que 3,7 milhões de brasileiras tenham sofrido violência doméstica ou familiar apenas neste último ano. Só eu que me choco com esses números? Leiam novamente: eles são aterradores!

Não por acaso, o Brasil figura entre os países mais violentos do mundo para mulheres. Ainda assim, seguimos tratando essas tragédias como episódios isolados, desvios individuais, exceções.

Não são. São sintomas.

Sintomas de uma sociedade que relativiza a dor feminina. Que questiona a mulher antes de questionar a violência. Que cobra equilíbrio emocional de quem vive sob ameaça constante.

E isso nos leva à pergunta central desta virada de ciclo: o que estamos fazendo de errado enquanto sociedade? Porque, veja, a mulher não é um detalhe do tecido social: ela é o alicerce.

É a mulher que gera. Que nutre. Que sustenta emocionalmente famílias inteiras. E, como eu sempre digo: quando a mulher não está bem, nada está bem — nem os filhos, nem os lares e, consequentemente, nem a sociedade.

Ainda assim, seguimos exigindo que ela aguente tudo calada. Que não sangre. Que não grite. Que não falhe. Ocorre que nenhuma sociedade se sustenta saudável quando sua base está adoecida.

É por essa exata razão que proteger a mulher não pode ser pauta ideológica. Trata-se de uma decisão civilizatória. É compreender que o cuidado com a família começa pelo cuidado com quem a mantém de pé.

Enquanto mulheres forem silenciadas, desacreditadas ou expostas à violência, dentro de casa ou fora dela, seguiremos criando lares frágeis, filhos feridos e um futuro instável.

Que o próximo ano nos traga menos normalização da violência e mais coragem para enfrentar o problema onde ele nasce.

A família só se sustenta quando a mulher é respeitada, protegida e fortalecida.

Fora disso, tudo é discurso vazio.

Instagram: @ali.klemt

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