Quinta-feira, 31 de julho de 2025

Quando sair é, na verdade, um jeito de voltar

Estou cansada. E tenho certeza que não estou sozinha nessa. Cansada do Brasil — da burocracia, da violência, da política que não respeita nem inteligência nem sentimento. Cansada de explicar o óbvio, de assistir à inversão de valores virar regra, de ver o país se especializar em fazer o errado parecer certo. O cansaço do brasileiro é algo tão generalizado que deveria ser institucionalizado. Estamos exaustos de lutar essa guerra que, apesar de não ser física, faz “terra arrasada” no nosso emocional. Está difícil demais ser contra a corrupção, contra a violação das liberdades individuais, contra o fim da separação dos poderes, contra o desrespeito à nossa constituição. Isso sem falar no mais desafiador: ter que provar o tempo todo que se é de direita sem ser ditadora (olha o absurdo disso), que é possível ser rica sem roubar (apesar da lavagem cerebral do presidente), que o fato de ser empresária não me faz ser contra o trabalhador (pelo contrário, é o empresariado que faz a “máquina girar”), que dá para falar de política sem brigar e, acreditem!, que, sim, posso ter opinião e, ainda assim, ouvir opiniões contrárias. Isso tudo deveria ser o mínimo esperado de qualquer sociedade – mas não no Brasil, terra da cegueira coletiva. Haja fôlego para tentar explicar o que está além da simples manchete dos jornais…

E talvez por isso, mais do que uma vontade, viajar tenha se tornado uma necessidade. Sempre digo que viajar não pode ser fuga, mas, sim, jornada de descobrimento pela qual você sai para o mundo para retornar – não só para casa, mas para dentro de si mesmo. E quando se trata de viajar com a família. Viajar em família não é só sobre descanso. É sobre resgate.

Resgate da leveza, da conexão, do tempo de qualidade. É quando a gente volta a olhar nos olhos dos filhos com calma, sem o celular apitando, sem a reunião atrasada, sem o trânsito engolindo os minutos que nunca voltam.

Em um piscar de olhos, vi meus filhos crescidos. A criança é como a materialização da passagem do tempo: ele está sempre em movimento, mas, ao constatarmos o crescimento de nossos pequenos, “vemos” o seu decurso. E o tempo pode ter passado, mas ele ainda existe. Sempre existirá – quem tem a existência finita somos nós.

Então, resolvi priorizar as viagens com eles nos próximos anos. E, como se não bastasse, calha de a minha irmã do meio morar em Dublin com os seus filhos. E calha, também, de os meus pais os irem visitar anualmente.

Meus pais… quantos mais meses de julho teremos juntos? Desculpem-me, mas a crueza dessa pergunta é aterradora. Sim, peguei meus guris pelos braços, parcelei as passagens (caríssimas no mês de julho) e nos mandamos para a Irlanda.

Fui uma mãe aventureira com o Thomas. Desbravamos a Europa, mas também as areias brancas de Aruba, a selva amazônica, os safáris africanos. E aí, veio o Henri. E a pandemia. E a enchente. E o meu coração sentiu o peso do tempo.

O tempo, ele de novo.

Eu sempre explico que não sou a mãe moleca que rola na lama, nem a mãe especialista em comidas saudáveis ou na construção de maquetes de primeira linha. Estou longe de ser perfeita. Mas sou a mãe que oportuniza vivências. Sou a mãe que desafia. Sou a mãe que ensina a contemplar pores do sol e a usar as linhas de metrô. Sou a mãe que oferece o mundo como parque de diversões.

Viajar é educar.
É mostrar ao filho que o mundo não cabe numa tela. Que há outras formas de viver, outras línguas, outras verdades.
É ensinar sem dizer: apenas mostrando.
É dar autonomia na prática. Ensinar a esperar, a dividir, a lidar com frustrações e a maravilhar-se com o inesperado.
É oferecer, antes de tudo, memórias. Daquelas que viram história de família — e não somem com o tempo.

É quando viramos exploradores e deixamos de ser gerente da rotina. Quando irmãos se unem para descobrir se a água do mar é mesmo mais salgada em outro lugar do mundo, e para se proteger diante dos imprevistos. Quando o “tô com fome” vira oportunidade de provar algo novo, e o “tô com sono” significa que o dia valeu a pena.

Mais do que conhecer novas culturas, viajar em família é também um exercício de expandir o olhar. É mostrar às crianças — e relembrar aos adultos — que o mundo não é feito de uma única forma de pensar, viver ou organizar a vida. Ao entrar em contato com outras realidades, outras regras, outros silêncios e barulhos, vamos construindo algo fundamental para o futuro: juízo crítico. A capacidade de comparar, questionar, ponderar. De entender que o que estamos acostumados a chamar de “normal” é, muitas vezes, apenas familiar — e que existem formas mais eficientes, mais respeitosas ou simplesmente mais humanas de se viver. Isso vale para tudo: educação, segurança, transporte, alimentação, convivência social. Quem viaja amplia o repertório e, com ele, a régua com que medirá o mundo.

E, veja, isso não tem nada a ver com luxo. Tem a ver com intenção. Pode ser Sicília ou serra gaúcha, pode ser hotel cinco estrelas ou cabana no mato — se há presença, há potência.

Porque no fundo, no fundo, viajar em família é um jeito bonito de dizer:
“Eu escolho você. Escolho estar junto. Escolho viver isso com você.”

Talvez o Brasil precise mesmo de um tempo.
Mas a nossa família não. Peguemos o tempo em nossas mãos para transformá-lo em
presença, aventura compartilhada e amor sem fim. E disso, a gente nunca se cansa.

Ali Klemt

@ali.klemt

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