Terça-feira, 20 de maio de 2025

Regulação das redes sociais e de aplicativos: uma necessidade para a proteção da infância

Estive numa palestra para o FONAJUP, o fórum de juízes que atuam em justiça protetiva nas Varas da Infância de todo o Brasil, em Belo Horizonte. Conversamos sobre os grandes desafios da infância — em especial o impacto das telas e os danos que elas vêm causando a crianças e adolescentes. E sobre a necessidade imperiosa de protegê-los, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente: é dever da família, da sociedade e do Estado. Saímos dali com a perspectiva, proposta por Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância do Rio, da redação de um documento desse coletivo de juízes em apoio ao PL 2.628/2022.

Esse projeto de lei, que já foi aprovado no Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados, traz um início de regulamentação ao território mais perigoso hoje para crianças e adolescentes: as mídias sociais e aplicativos como Discord, YouTube, Telegram, WhatsApp, além de sites de pornografia, jogos online e plataformas de vídeo e bate-papo. Ambientes onde crianças navegam todos os dias — muitas vezes sozinhas, sem qualquer filtro ou proteção efetiva.

Até hoje, não existe uma lei específica no Brasil que regulamente a atuação dessas empresas e plataformas digitais. O PL busca corrigir essa lacuna, garantindo que os direitos de crianças e adolescentes também sejam respeitados no ambiente online.

O projeto propõe que as empresas digitais assumam responsabilidade ativa na proteção desse público. Isso inclui, por exemplo, proibir a publicidade dirigida a crianças, cuidar da sua privacidade, evitar conteúdos inapropriados e criar mecanismos acessíveis para denúncia de abusos e violações.

É muito comum que crianças sejam bombardeadas por anúncios disfarçados dentro de vídeos, jogos e até por influenciadores mirins que promovem produtos sem nenhuma transparência. Essa publicidade invisível, que escapa ao olhar dos adultos, explora a vulnerabilidade infantil, já que crianças pequenas ainda não têm maturidade para distinguir conteúdo de propaganda. O PL busca colocar um freio nessa prática, estabelecendo limites claros.

Outro ponto fundamental é evitar que crianças sejam expostas a conteúdos viciantes, violentos ou nocivos, o que hoje acontece rotineiramente — sem moderação, sem critérios e sem consequências para quem lucra com isso. O projeto exige que as plataformas avaliem o impacto de seus produtos e algoritmos sobre crianças e adolescentes. Isso significa pensar, desde a concepção dos serviços, em como eles podem afetar o bem-estar, o desenvolvimento e a saúde mental dos jovens usuários.

A proposta também incentiva a formulação de políticas públicas com participação ativa de crianças e adolescentes. E reforça a importância da educação digital — para famílias, escolas e os próprios jovens. Refletir sobre temas como privacidade, bullying, consumismo, intolerância e vício em telas passou a ser essencial. Assim como entender o funcionamento dos algoritmos e desenvolver pensamento crítico para se proteger dos danos do ambiente digital.

O Instituto Alana, referência na defesa dos direitos da infância, publicou uma nota técnica em apoio ao PL, reconhecendo seus avanços, mas também apontando lacunas importantes que precisam ser preenchidas. Uma das principais recomendações é que o texto trate de forma mais explícita e contundente crimes e violações graves (por exemplo: abuso e exploração sexual, aliciamento por redes criminosas, incitação ao suicídio, neonazismo, misoginia e chantagens sexuais). O projeto menciona a proteção contra conteúdos ilegais e danosos, mas ainda de maneira genérica. Precisamos que sejam estabelecidas obrigações claras para que as plataformas atuem proativamente na detecção e remoção desse tipo de conteúdo – sob pena de serem responsabilizadas pela prática desses crimes.

Outro ponto levantado pela nota técnica é a verificação etária. Hoje, a maioria das plataformas sequer tenta saber se quem está do outro lado é uma criança. Ou melhor, sabem, mas permitem veladamente a entrada de crianças, contra seus próprios termos de uso. O PL trata do tema, mas sem detalhamento. O Instituto recomenda que a verificação de idade seja obrigatória — feita com métodos eficazes, éticos e que não exponham dados sensíveis — e que venha acompanhada de outras medidas, como design apropriado, moderação ativa e transparência sobre o funcionamento dos sistemas.

As crianças de hoje crescem em um mundo em que a tecnologia é parte do dia a dia. Isso não vai mudar, e sim aumentar cada vez mais. O que precisamos é garantir que esse ambiente seja mais humano, mais seguro e mais justo para elas.

A aprovação do PL 2.628/22 é um passo importante nessa direção. Não se deixe enganar: não se trata de censura. É cuidado, responsabilidade e compromisso com o que temos de mais precioso.

Se puder, apoie fazendo contato com seu deputado ou participando de abaixo assinados e manifestos sobre essa questão. A infância agradece.

Daniel Becker – Pediatra, sanitarista, palestrante e escritor. Ativista pela infância, saúde coletiva e meio ambiente

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