Sexta-feira, 05 de setembro de 2025

Resiliência

– E aí??? Está pronto o relatório que te pedi? – perguntou o chefe, já meio sem paciência.

– Sim! O senhor não viu? Deixei em cima da sua mesa ontem – respondeu o funcionário.

– Sim, eu li. Mas está incompleto – disse o chefe, indignado.

– Como incompleto, chefe?! São cinco páginas com todas as informações – exclamou o funcionário.

O chefe, com aquele olhar de superioridade, meio que olhando por cima, sentenciou:

– Faltou a palavra resiliência!

– Nem uma citação, nenhuma resiliência! Todo relatório que se preze tem que ter “resiliência”. Sem ela, não fica moderno e perde credibilidade.

O funcionário, tentando manter a calma, argumentou:
– Mas, chefe, no assunto não há nenhuma situação em que caiba essa expressão!

O chefe, cortante como faca Tramontina, retrucou:
– Sem “resiliência” não dá! Muda o plano, altera algumas coisas e encaixa no mínimo duas resiliências no relatório.

Repare se não estamos assim. A “resiliência” virou moda.

Tem enchente… povo é resiliente.
Tem estiagem… agricultura resiliente.
Está em dificuldade? Seja resiliente.
Perdeu a oportunidade? Faltou resiliência.

Está demais, pessoal! Vamos com calma. A palavra é nova, soa bonita, nos deixa mais elegantes, mas tem um significado restrito e deve ser usada no seu verdadeiro sentido.

Tecnicamente, resiliência é a capacidade de um corpo físico voltar ao estado original depois de sofrer pressão – termo bastante usado na metalurgia, para definir o comportamento de aços e ligas.

No sentido figurado, refere-se à capacidade de superar situações difíceis ou mudanças repentinas na vida. Hoje, no entanto, virou um predicado nobre, usado em quase tudo.

Mas, como toda moda, a febre da resiliência vai passar – assim como já passaram tantas expressões.

Meu amigo Martim Dallegrave lembra de algumas. Houve o formalíssimo “veja bem”, o empolado “… então…” – que iniciava falas com uma breve pausa teatral.

Teve também o reinado absoluto do famigerado “com certeza”. Pobrezinho do simples “sim”! Foi desprezado, substituído pelo “com certeza” – que até hoje persiste, muitas vezes como resposta protocolar de elevador.

Também já tivemos o conformismo do “faz parte”, o inútil “olha só” e o desafiador “tá entendendo?”.

Outras expressões ganharam destaque: o indignado “é brincadeira!”, o resignado “não é fácil” e o jocoso conformado “é bom demais pra ser verdade!”.

A lista é enorme, e certamente várias ficaram de fora. Mas há uma expressão que nunca sairá de moda no português falado: a contração interrogativa-afirmativa do “não é”, o eterno e repetido “né?”.

Na escrita, ele desaparece. Mas na fala, o “né?” reina absoluto.

Criei até o péssimo hábito de contar o número de “nés” em conversas – inclusive em entrevistas de rádio. O problema é que acabo prestando mais atenção na contagem do que no conteúdo. Em uma única entrevista, cheguei a anotar 17 “nés”.

Neste caso, não é modismo, é vício de linguagem. Particularmente, devo confessar: digo centenas de “nés” por dia, sem perceber. É automático.

A linguagem falada tem sua riqueza e sua dinâmica. Para aceitar suas mudanças, é preciso que tenhamos… resiliência, né?

Pior!

Rogério Pons da Silva
Jornalista e empresário
rponsdasilva@gmail.com

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