Terça-feira, 17 de junho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 16 de junho de 2025
Se o presidente Lula da Silva e seus arcontes ainda tinham alguma dúvida, resta-lhes reconhecer com todas as letras: a base de apoio ao governo no Congresso é hoje uma peça de ficção. Não se trata mais apenas de admitir que o Executivo, politicamente frágil, está emparedado por um Legislativo forte e ainda mais encorpado pelos poderes que adquiriu sobre o Orçamento da União; que Lula e seus articuladores precisam lidar com uma base governista heterogênea, fragmentada, muitas vezes hostil e quase sempre indócil; ou que o governo coleciona uma constrangedora lista de derrotas.
Trata-se de algo ainda mais grave: não há, nas mãos do governo, uma base parlamentar capaz de dar sustentação mínima às suas intenções legislativas. Mais do que uma base desmilinguida, existe hoje um ânimo oposicionista não só no Congresso em geral, mas entre aqueles que, oficialmente, são governistas.
Chama a atenção a audácia de partidos que comandam ministérios de Lula, como o PP e o União Brasil, instituírem uma modalidade nova na sempre singular política brasileira: o “governismo de oposição” – ou, como queiram, o oposicionismo de governo.
Em tal modelo, duas siglas governistas, conscientes de que reúnem expressivos 109 deputados federais e 14 senadores, o que lhes dá robustez e independência em relação ao governo a despeito das pastas que ocupam, convocam a imprensa para dizer que suas bancadas irão “fechar questão” contra a proposta do governo de aumento de impostos com o objetivo de compensar o recuo nas medidas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O presidente do União Brasil, Antonio Rueda, não deixou dúvidas de que lado está: “A escalada de desequilíbrio fiscal criada pelo atual governo entrou numa rota sem saída”, disse ele, para quem “taxar, taxar e taxar não pode e não será nunca a saída”.
Esse é o preço que Lula tem a pagar tanto pela incompetência política no manejo de sua coalizão quanto pela malandragem explícita em matéria fiscal e tributária. O presidente já havia dado vexame ao editar o decreto de aumento do IOF. Informado da insatisfação dos deputados, o governo precisou apresentar alternativas – e novamente ficou clara a intenção de cumprir a meta fiscal pela via do aumento das receitas, mantendo intocado qualquer ajuste estrutural pelo lado das despesas.
Sem plano fiscal consistente e duradouro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, optou por “gambiarras tributárias”, para usar a definição do presidente da Câmara, Hugo Motta. E assim o governo conseguiu o impensável: transformou um Congresso formado em grande medida por cupins do Orçamento público em modelo de preocupação com o gasto público. Nessa história, contudo, não há nem ingênuos nem heróis.
À notória incapacidade governista de exibir preocupação fiscal se soma o oportunismo de partidos que estão na franja do governo: de um lado, essas legendas sabem que a popularidade e a perspectiva de poder são dois atrativos irresistíveis, que ajudam a modular escolhas em votações importantes – e que, ao contrário, a impopularidade lulista e a proximidade de um ciclo eleitoral adverso para Lula são dois fatores que as afastam das hostes do atual governo.
De outro lado, veem um dedo do governo na nova ofensiva do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, sobre as emendas parlamentares. O mal-estar chegou à ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria de Relações Institucionais, com um recado: a iniciativa pode contaminar o pacote de Haddad. Ademais, a Comissão Mista do Orçamento atrelou o projeto que isenta do Imposto de Renda que ganha até R$ 5 mil ao aumento do número de deputados e à recuperação de verbas do chamado orçamento secreto.
É Brasília em sua melhor forma: um Congresso que tenta preservar a musculatura adquirida com o peso das emendas parlamentares, um governo impopular, emasculado e sem plano de voo claro, e um Centrão observando a direção dos ventos eleitorais em 2026.
Com esse amálgama, o governo enfrentará, até o fim do mandato, mais do que instabilidades e derrotas legislativas. Precisará lidar com os sinais trocados de uma base que se opõe e um governo que não governa. Enquanto isso, Lula – aquele que até pouco tempo atrás era visto como mestre na arte do convencimento e da articulação política – assiste inerte. (Opinião/O Estado de S. Paulo)