Sábado, 27 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 16 de março de 2023
Ex-diretor do Banco Central, José Júlio Senna avalia que casos de problemas em bancos regionais nos Estados Unidos, seguindo o roteiro do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank, podem se repetir no futuro. Ele diz que houve um erro do governo e Congresso americanos ao afrouxar as regras instituídas pelo Acordo de Basileia para instituições financeiras regionais.
“Em 2018, o lobby de bancos comunitários e regionais dos EUA encontrou um ambiente político propício para dar um alívio nessa regulação bancária”, afirma Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
O chacoalhão no setor financeiro dos EUA, diz o economista, também deixou para trás a possibilidade de que o Federal Reserve (Fed) aumente as taxas de juros do país em 0,50 ponto porcentual na próxima reunião.
“A dúvida que fica, e o mercado está bem dividido nisso, é se o Fed não faz nada ou se ele aumenta 0,25 (ponto porcentual) na reunião da próxima semana”, diz.
Confira entrevista do economista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
1 – Como o sr. avalia os últimos problemas do setor financeiro?
Houve um erro de avaliação gigantesco das autoridades governamentais e do Congresso americano, que amenizaram e modificaram a aplicação das leis da Basileia. Existem índices de liquidez que os bancos são obrigados a obedecer se estiverem fazendo parte do acordo. Em 2018, o lobby de bancos comunitários e regionais dos EUA encontrou um ambiente político propício para dar um alívio nessa regulação bancária.
2 – Podem existir mais problemas desse tipo?
Eu diria que sim, porque o alívio da legislação foi geral, para todos os bancos comunitários e regionais. O Fed percebeu isso. Houve a negociação com a empresa de seguro (FDIC, Federal Deposit Insurance Corporation) e com a participação do Tesouro. O que as autoridades governamentais estão fazendo? Se os bancos precisarem de dinheiro, não precisa vender o papel e assumir um prejuízo. Não precisa fazer isso. Vai ao Fed, entrega títulos em garantia, recebe um empréstimo e, com o dinheiro desse empréstimo, você paga o depositante. É uma política que representa uma antecipação a problemas, para evitar que o que aconteceu no Silicon Valley Bank e no Signature Bank volte a ocorrer.
3 – Há o risco de uma crise parecida com a de 2008/2009?
Não está parecendo, porque a crise de 2008/2009 teve a ver com o crédito, com a explosão do mercado imobiliário, o uso exagerado de derivativos. Muitos problemas que a gente não tem mais. O grosso do mercado americano parece muito bem regulado e o sistema parece estar muito bem capitalizado. O problema ficou restrito aos bancos regionais.
4 – E o caso do Credit Suisse?
Não tem relação com esses (dos Estados Unidos). É um banco que tem apresentado problemas há bastante tempo. Já vem se arrastando. É claro que todas as vezes que o sistema financeiro dá uma chacoalhada, uma balançada, aqueles que estão em posição mais frágil acabam recebendo o tranco maior, como é o caso do Credit Suisse. É um problema diferente, alguma solução vai ser dada para ele, mas não tem a ver com os bancos regionais americanos.
5 – Essa crise pode respingar no Brasil?
O sistema bancário brasileiro é muito bem regulado. Há décadas é assim. E as exigências são maiores do que as da Basileia. Eu não vejo espaço para algo acontecer no Brasil. O controle é muito rigoroso e faz muito bem o Banco Central agir dessa maneira. Eu acho que a gente está relativamente tranquilo nesse aspecto.
6 – Essa chacoalhada muda a rota do Fed?
É impossível dizer que não afeta. A turbulência financeira atual afeta a política monetária americana momentaneamente, mas não em sua essência. Até a semana passada, havia uma dúvida se o Fed iria elevar a taxa básica de juros em 0,25 ou 0,50. Agora, não faz sentido falar mais em 0,50 de alta. A dúvida que fica, e o mercado está bem dividido nisso, é se o Fed não faz nada ou se ele aumenta 0,25. Ele tem de ir com mais cuidado, porque está no meio de um balançada forte do sistema. Quebraram dois bancos, cujos ativos totais somam US$ 300 bilhões. Não é pouca coisa.
7 – E se a decisão for pela manutenção?
A mensagem que acompanharia essa decisão deveria ser voltada para tirar da cabeça do mercado a ideia de queda dos juros neste ano, desde que, evidentemente, os problemas bancários não ganhem uma dimensão inesperada. A luta contra a inflação ainda não acabou.