Quinta-feira, 26 de junho de 2025

Salário-maternidade é novo desafio para as contas do governo: Supremo reduz exigências para dar o benefício, e impacto deve ser de R$ 12 bilhões em 2026

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada no ano passado, vai impactar as contas da Previdência Social neste e nos próximos anos. A corte declarou inconstitucional a exigência de carência de, no mínimo, dez contribuições mensais para que trabalhadoras autônomas possam ter direito ao salário-maternidade. Com isso, essas mulheres poderão receber o benefício caso tenham contribuído uma única vez ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A decisão é de 2024, mas o governo entrou com embargos de declaração para esclarecer a aplicação da mudança, o que foi respondido em abril. Com isso, o INSS se prepara para publicar em julho uma instrução normativa mudando suas regras e aceitando os requerimentos com o pagamento de apenas uma contribuição.

Segundo cálculos do Ministério da Previdência Social, a decisão do Supremo deve resultar numa despesa adicional entre R$ 2,3 bilhões a R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos em 2025. O valor não estava previsto no Orçamento, mas foi incluído no último relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas e ajudou a aumentar o bloqueio de despesas discricionárias (não obrigatórias).

Para os próximos anos, a estimativa de impacto da decisão é ainda maior: de R$ 12,1 bilhões em 2026, R$ 15,2 bilhões em 2027, R$ 15,9 bilhões em 2028 e de R$ 16,7 bilhões em 2029. Os números consideram as novas concessões e também eventual pagamento dos benefícios indeferidos no período entre 2020 e 2024, já que o STF não modulou esse ponto da decisão e há a possibilidade de mulheres que tiveram seus pedidos negados peçam o pagamento.

Integrantes do governo avaliam que a decisão do STF foi um retrocesso no caráter contributivo da Previdência Social, ou seja, de exigir um tempo mínimo de contribuição e de carência para ter direito aos benefícios previdenciários.

“É uma decisão que traz preocupação, porque você não precisa ter um vínculo contributivo para poder ter salário-maternidade. Basta um único pagamento para manter a condição de segurada e receber quatro ou seis meses de salário-maternidade, dependendo do local”, afirmou ao Valor o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior.

Ele afirma que o INSS estuda exigir que essa contribuição única tenha sido feita antes de a trabalhadora autônoma ter engravidado, para evitar situações em que uma mulher que nunca contribuiu a Previdência, ao saber que está grávida, pague uma única contribuição e ganhe o direito de segurada.

Outra fonte do governo lembra que, agora, basta que a mulher autônoma grávida se inscreva como Microempreendedora Individual (MEI) e pague uma parcela de R$ 75,90 para ter direito ao auxílio-maternidade. Antes, essa mesma mulher precisaria ter contribuído ao menos dez meses nos últimos 12 meses.

Waller lembra que a carência de dez meses existia devido ao caráter contributivo da Previdência Social, que é diferente de benefícios assistenciais, que não exigem contribuição porque são uma política social do governo. “Esse é um risco para a Previdência, a gente começar a pagar benefícios previdenciários sem a contrapartida das contribuições, porque daí o regime não fecha.”

O economista Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), afirma que a decisão do STF foi tomada sem justificativa técnica ou jurídica, porque o prazo de carência de dez meses estava previsto em lei, de acordo com a Constituição. “Na prática, o que o Supremo fez foi definir uma política pública”, diz o especialista em Previdência.

Ele também frisa que a decisão cria um custo adicional para o INSS, sem nenhuma contrapartida. “É um sistema previdenciário que já está combalido e vem o Supremo e aumenta o custo do INSS sem que a decisão tenha sido deliberada pelas instâncias competentes, que são o Legislativo e o Executivo. O STF é mais um agente de destruição do arcabouço fiscal desse país”, critica Tafner.

Já o advogado Diego Cherulli, diretor de atuação parlamentar do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), afirma que a decisão do STF foi justa, porque o período de carência não era exigido das trabalhadoras celetistas.

“Independentemente do desequilíbrio fiscal que isso vai causar, nós temos que a proteção à vida, à maternidade está em um status constitucional muito superior à despesa que isso vai gerar”, afirma.

Ele explica que o prazo de dez meses era cobrado da trabalhadora autônoma para evitar situações em que a mulher começasse a contribuir somente após descobrir a gravidez. “O nosso problema é achar que temos que enxergar a Previdência como um fundo privado. A Previdência do INSS é um sistema de distribuição de renda, de equilíbrio, de justiça social. Isso é bem claro na Constituição”, diz Cherulli.

A decisão do Supremo aconteceu no âmbito do processo que tratava da “revisão da vida toda”. Em relação ao auxílio-maternidade, prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin. Para derrubar a carência, o ministro considerou que a exigência de cumprimento de carência para concessão do benefício apenas para algumas categorias de trabalhadoras viola o princípio da isonomia. No voto, ele foi acompanhando pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso.

A decisão considerou que o Supremo, em outros julgamentos, tem reconhecido a relevância do salário-maternidade como instrumento de concretização da proteção à maternidade, da prioridade dos direitos das crianças e da igualdade entre o homem e a mulher.

Com relação à isonomia, Fachin argumentou que a exigência de dez meses para concessão de salário maternidade às contribuintes individuais, às seguradas especiais e às facultativas não é exigida das seguradas celetistas, trabalhadora avulsa e empregada doméstica.

Fachin citou que, da exposição de motivos da lei que foi alterada pelo STF, entende-se que a exigência de carência para as trabalhadoras autônomas resultou da constatação de que muitas empregadas seriam registradas no final da gestação apenas para terem direito ao salário-maternidade, o que na visão do governo, seria uma fraude. Mas, para Fachin, isso configuraria presumir a má-fé das trabalhadoras. (Com informações do Valor Econômico)

Compartilhe esta notícia:

Voltar Todas de Economia

Governo Lula agiu para segurar a fila do INSS e frear o aumento de gastos com benefícios
Em derrota de Lula, Senado acompanha Câmara dos Deputados e derruba o aumento do IOF
Pode te interessar
Baixe o app da TV Pampa App Store Google Play