Quarta-feira, 05 de novembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 23 de julho de 2023
O Brasil teve recorde de estupros em 2022, em parte como reflexo do isolamento social na pandemia. Dados do Anuário de Segurança Pública mostram que seis em cada dez vítimas têm até 13 anos de idade.
Em 2022, o Brasil teve o maior número de registros de casos de estupros desde 2011, quando os dados se tornaram mais confiáveis: 74.930 vítimas. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na última semana, registrou aumento em todos os indicadores relacionados à violência de gênero, na comparação com o ano anterior.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, responsável pelo relatório, destaca o impacto do represamento de registros durante a pandemia. A influência desse fator está ligada a um dos aspectos mais chocantes revelados pelos números: o perfil das vítimas de violência sexual, em sua maioria crianças e adolescentes.
“Estamos falando de crianças. Nessa faixa etária, o ato de vir falar, denunciar, precisa ter um adulto como intermediador dessa denúncia, desse pedido de ajuda. A partir da experiência de outros países, observamos um impacto da pandemia nos registros desses casos”, diz Juliana Martins, coordenadora institucional do fórum.
A pesquisadora explica que as escolas são um importante espaço de denúncia para essa faixa etária, mas o isolamento social imposto pela pandemia privou os jovens desses espaços. Os principais autores dos crimes são pais e padrastos (44,4%), além de conhecidos (18%) e outros familiares das vítimas.
“Isso é muito assustador, contraria aquele imaginário social da mulher vítima de violência sexual na rua escura, no beco onde um desconhecido vem e comete a violência. Esses casos acontecem também, mas são raros. Os números mostram que a maior parte dos casos tem como autor alguém que é conhecido e familiar da vítima”, diz Martins.
A pesquisadora afirma que os números omitem uma subnotificação superior a 90%. Ela se baseia em um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em março deste ano. O trabalho concluiu que 8,5% dos casos chegam ao conhecimento da polícia, e só 4,2% são identificados pelo sistema de saúde.
“Descontada a subnotificação, o número de estupros possivelmente passaria de 800 mil por ano, quase dois por minuto”, constata.
1) Que fatores explicam o número recorde de estupros no Brasil, registrados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública em 2022?
Consideramos a série histórica a partir de 2011, quando a qualidade dos dados começou a melhorar no Brasil. Portanto, o ano passado teve o maior número de registros desde 2011. Há dois fatores importantes que merecem atenção.
Os dados do anuário mostram que todos os tipos de violência de gênero aumentaram em 2022: feminicídio, homicídio doloso de mulheres, ameaças, lesões corporais decorrentes de violência doméstica. Aumentaram também as chamadas para os números de emergência das polícias militares, o 190, por causa de violência doméstica. Estamos falando de aumento em todos os indicadores nessa área.
Quando falamos especificamente de estupro, partimos do pressuposto de que a violência sexual é o tipo de violência com a maior subnotificação. Observamos isso em pesquisas realizadas não só no Brasil, mas em diversos países.
O cenário é muito pior do que se apresenta a partir dos dados do anuário. Um estudo recente do Ipea mostra que apenas 8,5% dos estupros são registrados nas polícias, e só 4,2% pelo sistema de saúde. Descontada a subnotificação, superior a 90%, o número de estupros possivelmente chegaria a 822 mil por ano, dois a cada minuto.
2) Como entender essa subnotificação tão alta?
O perfil das vítimas revela que seis em cada dez tinha entre zero e 13 anos. Estamos falando de crianças. Nessa faixa etária, o ato de vir falar, denunciar, precisa ter um adulto como intermediador dessa denúncia, desse pedido de ajuda.
A partir da experiência de outros países, observamos um impacto da pandemia nos registros desses casos. Durante o período de isolamento social, com as escolas fechadas e dentro de casa, essas crianças ficaram muito mais vulneráveis às violências. A exemplo do que aconteceu em outros lugares, mas aqui de maneira bastante forte, as famílias tiveram a vida socioeconômica bastante afetada perda de emprego, diminuição de renda.
Nesse contexto, observou-se um aumento do estresse no contexto familiar, além do consumo de bebida alcoólica. Todos esses fatores se deram ao redor de crianças e adolescentes em idade escolar. Nesse período, tivemos uma queda nos registros.
Quando as escolas reabriram, as crianças voltaram a frequentar o espaço escolar, e observamos um aumento das denúncias. Não que a escola seja a principal responsável por isso, mas trata-se de um ator muito importante, pois ajuda a identificar mudanças no comportamento das crianças e também a nomear que algo não vai bem, que tem alguma coisa errada. É ainda um espaço seguro de escuta pelos profissionais da educação, adquirindo a confiança por parte dessas crianças, para poderem pedir ajuda.
Temos casos de crianças que identificaram o estupro feito pelo pai a partir de uma palestra sobre prevenção de abuso na escola. A partir daí, a criança ganha coragem de falar a respeito, e a denúncia vem à tona. Então, pode ser que violências tenham começado durante a pandemia, ou se intensificado durante o período.