Sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Spray de pimenta: especialistas veem riscos no uso do produto para defesa pessoal de mulheres

O spray de extratos vegetais, como pimenta ou gengibre, passou a ser permitido como instrumento não letal de legítima defesa para mulheres no Estado do Rio. A nova lei, sancionada recentemente, tem como justificativa oficial o aumento dos casos de violência e a necessidade de oferecer ferramentas práticas de autoproteção.

Especialistas, porém, alertam que o recurso apresenta riscos e pode agravar situações em que o agressor esteja armado. Um caso emblemático é o da universitária Beatriz Munhos, morta no início de novembro, em São Paulo, após reagir a um assalto utilizando spray de pimenta.

Com a legislação, o Rio se tornou o primeiro estado brasileiro a autorizar civis a utilizar o produto. O spray provoca incapacidade temporária e, ao atingir o rosto da pessoa, causa irritação nos olhos, ardência e dificuldade para respirar. Os efeitos podem durar mais de 30 minutos, dependendo da sensibilidade e da concentração da substância.

O caso de Beatriz, de 20 anos, reacendeu o debate sobre segurança e reação em situações de risco. Em 1º de novembro, quando estava no carro com o pai e o namorado, ela foi abordada por criminosos e borrifou o spray em um deles. O assaltante atirou imediatamente e atingiu a jovem na cabeça. Ela morreu no local. No último dia 18, o suspeito foi preso no interior da Bahia, onde estava escondido. De acordo com a polícia, ele afirmou que disparou “no susto” após ser atingido pelo spray.

Para especialistas, episódios como esse mostram que o equipamento não pode ser visto como solução isolada. A promotora Fabíola Sucasas, do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher do Ministério Público de São Paulo, afirma que a lei transfere às mulheres uma responsabilidade que deveria ser do Estado. “O que percebemos na nossa rotina de atendimento é que geralmente os homens usam o argumento de que a mulher provocou e que ele agiu em legítima defesa. É possível até que essa legislação se reverta em um argumento que venha culpabilizar a mulher ou afastar a responsabilidade do agressor. É evidente que o uso desse tipo de artefato as coloca em situação de maior risco”, disse.

A presidente da Comissão de Enfrentamento Contra a Violência de Gênero da OAB-RJ em Bangu, Michele da Rosa Monsore, também avalia que o recurso só faz sentido se houver orientação adequada. “Acredito que seja mais uma forma de proteção disponível. O problema é o uso inadequado. Não saber manusear, por exemplo, no momento de estresse pode fazer a vítima se machucar ou irritar o agressor ao ponto de ele potencializar a violência. Se houver orientação para ensinar a usar, acho válido, mas o porte sem orientação é complicado”, afirmou.

O coronel da reserva da PM do Distrito Federal e especialista em segurança pública Paulo Roberto Oliveira reforça que o spray tem limitações. “A medida em si não é ruim, mas será necessário um processo de ampla divulgação de como usar, quando usar e contra quem pode ser usado. Em casos de importunação sexual, o spray pode ser útil, mas contra pessoas portando arma de fogo ou faca não é adequado. Os próprios protocolos policiais desencorajam”, disse. Segundo ele, também é preciso atenção à comercialização, já que a lei prevê que adolescentes a partir de 16 anos poderão utilizar o produto. “Imagino a possibilidade de uso no ambiente escolar”, afirmou.

Os autores do projeto defenderam que, mesmo com políticas públicas e leis específicas, muitas mulheres “seguem desamparadas diante da escalada da violência” e que o Estado não consegue estar presente em todas as situações de risco. Para os deputados, o spray representa um meio proporcional de defesa, que não ameaça a vida do agressor e pode garantir condições reais de preservação da vítima.

O governador Cláudio Castro afirmou que a medida amplia a proteção às mulheres. “Com essa lei, estamos ampliando as medidas do governo do estado que contribuem para aumentar a segurança e a proteção das mulheres em todo o território fluminense. Aplaudo a iniciativa das deputadas e dos deputados, que tiveram sensibilidade com o tema”, declarou.

(Com O Globo)

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