Terça-feira, 12 de agosto de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 11 de agosto de 2025
“Gentileza gera gentileza” é mais do que uma frase estampada nas pilastras do Viaduto do Gasômetro, no Rio de Janeiro. Criada pelo artista José Datrino, o Profeta Gentileza, a mensagem se transformou em símbolo cultural e extrapolou fronteiras, sendo replicada em camisetas, souvenires e produtos variados. Esse ideal, que muitos consideram utópico, também tem ganhado espaço nas produções audiovisuais, refletindo um desejo coletivo por mais empatia.
Nos cinemas brasileiros, o novo Superman vem reforçando essa proposta. Com mais de 3,5 milhões de espectadores, a produção apresenta um Homem de Aço que declara sem rodeios: “Ser gentil é o real punk rock”. A frase sintetiza o tom de uma obra que busca quebrar o estereótipo do herói frio e distante.
Interpretado por David Corenswet, o Superman retratado no filme de James Gunn é humano e afetuoso. Não se limita a salvar o mundo em crises globais: também impede que um simples esquilo se machuque durante um ataque monstruoso. Em entrevista, Gunn destacou que o personagem, antes visto como ultrapassado por sua pureza, hoje ressoa como resposta à dureza do mundo contemporâneo.
O diretor defende que a presença de um herói sensível e íntegro ressalta valores que, segundo ele, têm feito falta à humanidade. Essa abordagem, para Gunn, funciona justamente por contrastar com a realidade atual, marcada por divisões e ceticismo.
Após a estreia, a frase “ser gentil é o real punk rock” se espalhou rapidamente pelo TikTok. Usuários criaram vídeos com cenas de solidariedade e legendas inspiradas pelo filme, geralmente embaladas pela música “Punkrocker”, parceria entre Teddybears e Iggy Pop. A faixa de 2006 voltou a ganhar popularidade, chegando até a ser apresentada ao vivo por Iggy Pop em um show recente nos Estados Unidos.
O criador de conteúdo Ygor Palopoli vê nesse movimento um sinal de mudança de humor cultural. Para ele, depois de anos consumindo narrativas trágicas e fatalistas, o público começa a buscar histórias mais otimistas. Essa tendência, segundo Palopoli, também aparece no sucesso de comédias românticas, produções natalinas e até em livros de colorir que viraram febre nas redes.
Produções como a série Ted Lasso e os filmes da franquia Paddington também se encaixam nesse cenário, segundo Palopoli, por priorizarem o “arquétipo da bondade e da esperança” em vez de personagens atormentados ou violentos.
Para o psicanalista e professor da USP, Daniel Kupermann, essa onda de positividade toca em um ponto crucial: a perda do senso de “comum” em uma sociedade cada vez mais polarizada. Ele defende que a empatia é a base para reconstruir esse espaço compartilhado e romper a lógica de ver o diferente como inimigo.
Kupermann afirma que, diante de um ambiente em que a irracionalidade ganha força, o apelo à gentileza e à sensibilidade se torna quase revolucionário. A seu ver, esses heróis e personagens funcionam como um convite a imaginar alternativas à hostilidade e ao sectarismo.
Nesse contexto, a gentileza deixa de ser vista como fragilidade e passa a representar resistência cultural. Para quem acompanha essa nova fase do cinema e da televisão, histórias como a do Superman mostram que, em um mundo de extremos, estender a mão pode ser a atitude mais transformadora — e, talvez, a mais ousada.
(Com O Globo)