Quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
Por Redação Rádio Pampa | 26 de fevereiro de 2022
O dia 24 de fevereiro será lembrado por milhões de russos como o dia em que algo definitivamente se rompeu. A maior parte da sociedade ou se cala por medo ou indiferença ou apoia a política agressiva do Kremlin. Enquanto os mísseis russos caíram sobre uma nação considerada irmã, as poucas vozes críticas apenas compartilharam uma mensagem nas redes sociais: “E isso, para quê?”.
Apesar da tristeza e raiva, há poucas manifestações nas ruas, proibidas pelas autoridades sob ameaça de prisão. No final da tarde de quinta-feira, grupos de centenas de pessoas se reuniram no centro de Moscou e em outras cidades, embora as prisões logo tenham começado, assim como aconteceu horas antes com os piquetes individuais dos cidadãos.
No sábado (26), a ONG OVD-Info, que monitora prisões em protestos no país, informou que desde quinta-feira mais de 3 mil pessoas foram presas, incluindo 467 hoje.
Também no sábado, o Serviço Federal de Supervisão de Meios de Comunicação na Rússia (Roskomnadzor) fez um alerta de que vai restringir o acesso de dez meios de comunicação do país caso compartilhem notícias fazendo referência à operação militar na Ucrânia como um “ataque, invasão ou declaração de guerra”.
Em uma carta, o órgão de vigilância informou que abriu uma investigação sobre o caso e se queixou do que caracteriza como a distribuição de “informações falsas” sobre o bombardeio de cidades ucranianas e a morte de civis causada pelas forças armadas russas.
Os veículos que receberam a ordem foram: Eco de Moscou, InoSMI, Mediazona, New Times, TV Rain, Svobodnaya Pressa, Krym.Realii, Novaya Gazeta, Zhurnalist e Lenizdat. Muitos são identificados como “agentes estrangeiros” pelo Kremlin. O editor da Novaya Gazeta, Dmitry Muratov, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2021.
“Todo mundo é contra a guerra. Ninguém que eu conheço queria isso”, diz Sergei Gavrilov, um homem de meia-idade na estação de metrô Elektrozavodskaya, o típico bairro industrial do segundo anel viário de Moscou, agora ocupado pela classe média.
Como ele, pensam pessoas mais velhas e jovens; tanto na rua quanto nas redes sociais. “Alguns tolos querem a guerra, o resto sofre”, acrescenta o homem enquanto uma multidão caminha ao seu redor com os olhos perdidos.
A Rússia acordou na quinta-feira em estado de choque. O presidente Vladimir Putin havia ordenado a invasão da Ucrânia para “desnazificá-la”, termo que, ao ser repetido, calou grande parte da população. Aos poucos, um slogan que havia desaparecido em todos estes meses de avisos surgiu nas redes sociais: “Não à guerra”.
Alertas
Em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia e a guerra em Donbass, no Leste da Ucrânia, começou, houve maciços protestos antiguerra no centro de Moscou. Mas as leis sobre manifestações desde então foram endurecidas ao ponto de que até mesmo protestos de uma única pessoa devem ser autorizados previamente.
Na quinta-feira, depois de iniciar uma nova guerra, as autoridades alertaram que a lei “prevê punições severas para a organização de tumultos em massa”. “A polícia da capital tomará as medidas necessárias para garantir a proteção da ordem pública na cidade”, acrescentou o Ministério Público de Moscou e o Ministério do Interior.
Nestes dias, foram vistas imagens de vários cidadãos presos por colocarem um cartaz contra a guerra na rua.
“Eu me culpo por não ter feito nada para remediar isso, por aguentar esses 20 anos [de Putin]”, diz Natalia, uma mulher de 30 anos que quer permanecer anônima, como muitas outras vozes críticas ao Kremlin.
Quando os transeuntes são interrogados, sobram cabeças baixas e olhares distantes. O silêncio sobre o conflito também reina no Instagram. Muitos seguem a velha piada franquista de “faça como eu, não se envolva em política”.
O portal OVD-Info, uma das principais fontes para acompanhar a repressão às manifestações na Rússia, informou através do Twitter mais de 1.500 prisões em 40 cidades do país.
De acordo com uma pesquisa do centro de estudos sociológicos Levada, independente do Kremlin, 48% dos russos culparam a Otan pela tensão na Ucrânia no ano passado, enquanto 20% culparam Kiev.
A mensagem repetida milhares de vezes na mídia de que a Otan está se expandindo como um exército em direção à Rússia permeou estes anos, e agora a população não tem clareza sobre a responsabilidade por essa guerra, que, na maioria dos casos, delega a presidentes distantes que dão ordens e as pessoas obedecem porque só vivem o dia a dia.