Quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 28 de outubro de 2025
A taxa Selic, que hoje é de 15% ao ano e deve permanecer neste nível por um “período bastante prolongado”, nas palavras do Banco Central (BC), poderia estar menor se o governo reduzisse os gastos e adotasse uma política fiscal mais restritiva, diminuindo o estímulo à economia, segundo especialistas ouvidos pela Estadão/Broadcast.
Sem os impulsos fiscais e parafiscais, a Selic poderia estar de 2 a 3 pontos porcentuais menor, calcula o ex-diretor de Política Monetária do BC e atual presidente do conselho de administração da JiveMauá, Luiz Fernando Figueiredo.
A consultoria estima que, em 2026, estão contratados R$ 96,2 bilhões em gastos ou renúncias de receitas, ante receitas adicionais de R$ 76 bilhões.
“A baixa potência da política monetária já está contratada para 2026, porque há mais medidas de estímulo vindo. A isenção do Imposto de Renda para salários até R$ 5 mil, por exemplo, vai injetar mais recursos na economia, sendo uma medida expansionista”, afirma Márcio Holland, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, acrescenta que o governo tende a fazer uma “superexecução” do Orçamento já no segundo semestre de 2025 para compensar a subexecução do primeiro semestre, provocada pelo atraso na sanção do Orçamento. “O governo tende a acelerar os gastos para não deixar parte do Orçamento na mesa”, diz.
A estimativa de Barros é que os gastos fiscais e parafiscais alcancem 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026, ante 1,7% em 2025.
O efeito, neste caso, é uma reaceleração da economia a partir do primeiro trimestre de 2026, segundo Barros, que também já foi diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Considerando os impulsos fiscais e parafiscais, o resultado deve acrescentar 1,5 ponto porcentual ao PIB no ano, o que exigiria maior cautela do BC, calcula.
O economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto, avalia que “a atividade econômica demorou para refletir uma política monetária tão apertada em 2025 porque a política fiscal mais expansionista e a maior oferta de crédito têm reduzido o efeito líquido final da política monetária”.
O economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, afirma que “chama a atenção com 15% de Selic e quase 10% de juro real, espetacularmente forte, um crescimento entre 2% e 2,5%”. Ainda assim, ele diz que a defasagem da política monetária não mudou, e o que mudou foi o efeito: “A economia brasileira se mostra mais resistente a choques, incluindo de juros”.
Dentre os motivos para maior resistência, Padovani lista reformas que mudam a estrutura econômica e tornam o Brasil mais atrativo; exportações de petróleo e commodities com produtividade alta; mercado de trabalho apertado; e impulso fiscal.
“Isso tudo faz com que uma parte da economia não sinta o aperto monetário. Tem o crédito sofrendo com as defasagens tradicionais, mas uma outra parte da economia não vai reagir ao aperto do crédito. Então isso faz com que a economia desacelere, mas continue, de certo modo, crescendo”, afirma.
Figueiredo, da JiveMauá, afirma que “uma parcela importante dos consumidores está imune à política monetária”. Segundo o ex-diretor do BC, isso gera duas consequências: a política monetária precisa ficar muito mais apertada do que ficaria normalmente; e “mesmo com uma Selic muito alta — o que é o caso —, o paciente parece responder menos ao remédio”.
Para Holland, da FGV, o impulso fiscal elevado cria um efeito cascata de demanda, oferta de emprego e massa salarial mais elevada, atuando na contramão do que o BC está fazendo. “É como se o BC estivesse tentando enxugar gelo, tentando apertar a economia enquanto o governo está afrouxando a economia.”
Em relação ao mercado de trabalho, Porto, do Citi, avalia ainda que houve uma espécie de mudança de preferência, principalmente a partir da pandemia, de consumir mais serviços do que bens de capital. “Enquanto o setor de bens, industrial, é intensivo em capital, o setor de serviços é intensivo em mão de obra. Então houve uma melhora ainda maior no mercado de trabalho do que se o crescimento fosse mais disseminado em todos os setores”, pondera.
Holland considera que a reforma do Imposto de Renda é expansionista em termos de consumo, especialmente para o setor de serviços. “Mesmo que o consumidor venha a quitar dívidas antigas, a tendência é de que contrate novas. Então o impacto é expansionista sobre a demanda”, avalia. Com informações do portal Estadão.