Quinta-feira, 04 de setembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 3 de setembro de 2025
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) está criando o que pode ser a primeira ressonância magnética 100% brasileira no Sistema Único de Saúde (SUS). Com uma proposta portátil, ela promete reduzir custos, atender áreas remotas e oferecer diagnósticos precisos com a ajuda da inteligência artificial.
O protótipo é desenvolvido em Campinas (SP) e receberá um aporte inicial de R$ 8 milhões por meio do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), do Ministério da Saúde, que é voltado a tecnologias estratégicas para o país e poderá acelerar a chegada do equipamento ao mercado.
Entenda detalhes sobre o funcionamento do projeto e como ele deve contribuir com a saúde brasileira com James Citadini, diretor de tecnologia do CNPEM e coordenador do trabalho.
“Quando você começa a sair do estado de São Paulo, você encontra locais que são 230, 250 quilômetros que uma pessoa tem que andar para ter acesso a uma ressonância. Você começa a entender que o Brasil é carente disso. Ele depende exclusivamente da tecnologia importada, mas hoje estamos em um laboratório nacional que tem a tecnologia que pode ser aplicada para isso”, diz.
O que é uma ressonância magnética e como funciona?
A ressonância magnética é uma ferramenta de diagnóstico por imagem que permite visualizar estruturas internas do corpo com muitos detalhes, especialmente tecidos moles, como cérebro, músculos, articulações e outros órgãos.
Os aparelhos tradicionais são máquinas bem grandes, pesadas e que precisam ser isoladas do ambiente. Eles funcionam a partir de princípios da física nuclear e do eletromagnetismo. Entenda a seguir: o paciente deita no aparelho de ressonância e a parte a ser examinada é posicionada dentro de um ímã superpotente, que é resfriado em hélio líquido; a ação desse ímã gera um campo eletromagnético que alinha os prótons de hidrogênio do corpo, que são partículas presentes dentro dos átomos; o aparelho envia um pulso de radiofrequência que agita os prótons; quando o pulso é desligado, os prótons voltam ao estado inicial e, nesse processo, emitem sinais de radiofrequência; bobinas do aparelho de ressonância captam esse sinal, identificam onde está o sinal de cada molécula, e transforma em imagem.
O que muda no aparelho de ressonância magnética do CNPEM?
A ressonância magnética que está sendo desenvolvida pelo CNPEM promete simplificar algumas etapas desse processo e, para isso, contará com a ajuda da inteligência artificial.
Entenda: no lugar do ímã superpotente, entra a tecnologia de magneto permanente de baixo campo, que não exige uma estrutura tão grande e é mais barata; ele não precisa ser resfriado em hélio líquido e gera imagens de forma parecida, também a partir dos pulsos de radiofrequência; como o campo magnético dele é mais fraco, o sinal pode ser mais ruidoso e menos detalhado, gerando imagens de qualidade inferior; mas é aí que entra a inteligência artificial: ela será usada para processar e melhorar a qualidade das imagens, fazendo uma reconstrução mais nítida; o resultado é um exame com imagem boa e identificação de padrões que, sob a supervisão de um médico, podem proporcionar diagnósticos precisos.
O pesquisador explica que, quando o protótipo sair do papel, deverá contribuir com a saúde brasileira proporcionando: custos de compra e manutenção mais baixos; necessidade de menos espaço de armazenamento;
instalação simplificada e acessível; portabilidade, podendo ser transportado.
A desvantagem pode estar na qualidade da imagem, que tende a ser inferior, devido ao baixo campo magnético, e que dependerá do uso da IA. Apesar disso, o pesquisador garante que será possível treinar modelos de inteligência para garantir um resultado eficiente.
“A inteligência artificial, quando treinada, consegue identificar padrões que o médico não conseguiria sozinho. O médico pode ver a mancha e não saber se é um tumor, se é erro da ressonância […] Então, além de a gente melhorar a resolução, a gente também está usando modelos de inteligência artificial treinados para identificar padrões da imagem”, explica James.
“O que a gente está fazendo é associando isso ao nosso equipamento, implantando isso desde o desenvolvimento do hardware do equipamento, e também no software dedicado para a reconstrução de imagens. Então, a gente está se beneficiando do boom da inteligência artificial e da capacidade de pessoas qualificadas”.
Aparelho será portátil e poderá alcançar áreas remotas
O pesquisador explica que o aparelho foi desenvolvido para examinar extremidades, como braços e pernas. A tecnologia também poderá ser usada para fins além da saúde, incluindo a análise de produtos e alimentos adulterados, como forma de identificar fraudes.
No entanto, o principal objetivo, segundo James, é atender a uma demanda específica do Sistema Único de Saúde (SUS), levando o diagnóstico por imagem para áreas remotas e regiões que não possuem ressonâncias tradicionais.
“Há casos em que o paciente precisa viajar quilômetros até o hospital mais próximo com ressonância disponível. E mesmo quando o equipamento existe, há locais onde está parado por falta de recursos para operação”, explica o coordenador do projeto.
Em resumo, por ser mais compacto, o equipamento criado pelo CNPEM deve reduzir custo e simplificar a operação. O especialista pontua que as características foram pensadas para preencher uma lacuna existente em hospitais regionais, unidades móveis (ambulâncias) e unidades de atenção primária, principalmente, que ficam afastados dos grandes centros.
“O Brasil depende exclusivamente hoje dessa tecnologia importada, que é imersa em hélio líquido. Ele é um elemento escasso, extremamente volátil em relação a preço. Então, tem hospitais que tem ressonância, mas não conseguem manter isso em operação […] o que o hospital faz hoje por falta de ressonância? Faz raio-x, mas ele não vê tecido mole. Vê se quebrou alguma coisa ou não”.
“E por que ele não recomenda a ressonância ali? As vezes tem um aparelho só, que é caro, tem uma fila de pessoas pra usar. Acaba diminuindo a informação que o médico poderia ter para dar um diagnóstico correto”.