Segunda-feira, 18 de agosto de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 17 de agosto de 2025
No final de 2020, o casal Carolina Maiolino e Renata Vecchio enviou uma mensagem incomum para o Whatsapp de um amigo, Eduardo Bizzo.
Eduardo, que é amigo do casal, não só doaria o sêmen para a fertilização in vitro (FIV), como também seria um dos responsáveis pela criança.
Era um convite: chamavam Eduardo para ser o pai do filho que elas teriam.
Se ele não topasse, Carolina e Renata seguiriam o plano com um doador anônimo. Mas Eduardo, que sempre teve o desejo de ser pai, aceitou.
“O convite delas foi um grande presente”, lembra Eduardo, de 37 anos.
O plano deu certo: o filho de Carolina, Renata e Eduardo nasceu em agosto de 2024 no Rio de Janeiro (RJ) com o sobrenome dos três, oficialmente registrados como seus responsáveis na certidão de nascimento.
“Sou fã do provérbio africano que diz que para se educar um filho é preciso uma aldeia. Acredito que quanto mais referências diversas na vida de uma criança, mais rica será essa criação”, diz Carolina, uma das mães de Milton.
Milton foi o primeiro bebê no Brasil concebido por meio da reprodução assistida que já nasceu podendo ser registrado por três responsáveis legais, a chamada triparentalidade.
Ainda que a legislação brasileira permita a uma criança ter mais de dois responsáveis legais, através da coparentalidade, esse registro costuma acontecer tempos depois do nascimento.
Isso geralmente acontece quando o pai ou a mãe de uma criança se casam de novo e o novo cônjuge obtém autorização para ser incluído no registro.
Ou, o que é menos frequente, quando os chamados trisais, relações afetivas que envolvem três pessoas, incluem o terceiro membro da relação na coparentalidade.
Apesar de menos comum, este não foi o primeiro caso de triparentalidade registrado no Brasil.
A jurista Maria Berenice Dias afirma que foi a primeira advogada a conseguir esta decisão, para outra família, em 2015 — mas o registro aconteceu depois do nascimento, com o pedido na Justiça.
Processo judicial para registrar triparentalidade imediata
Carolina, de 36 anos, e Renata, de 43 anos, começaram a namorar há cinco.
Desde o início do relacionamento, elas pensavam em ter filhos.
Eduardo conheceu primeiro Renata, que é economista como ele, há 14 anos, ao trabalharem juntos.
Para casais de mulheres que querem ter filhos biológicos, o mais comum é recorrerem à FIV com o sêmen de um doador.
Segundo as regras do Conselho Federal de Medicina, este doador não pode ser da família da mãe que vai gestar a criança, nem ser um conhecido do casal que não terá vínculo de paternidade — Eduardo pôde ser doador justamente porque seria pai do bebê.
Lucas Yamakami, médico especializado em reprodução humana pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que, em um caso como esse, o cenário de coparentalidade já é considerado desde o início do processo, com registro em prontuário.
“O amigo que forneceu o espermatozoide entra no tratamento assinando contratos, consentindo que seu espermatozoide seja utilizado, não como um doador, mas como paciente relacionado a elas”, explica Yamakami, fundador da clínica de reprodução assistida VidaBemVinda.
Não existe lei autorizando o registro da coparentalidade entre três pessoas desde o início, como explica a advogada da família Ana Carolina Santos Mendonça, que cuidou do caso do trio do Rio de Janeiro. É preciso entrar com uma ação na Justiça para obter reconhecimento oficial.
A união estável entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011, mas não há uma lei prevendo isso.
Também foi por meio de decisão judicial que Milton pôde ser registrado ainda no meio da gestação.
“Embora algumas modalidades de filiação, como a adoção e a reprodução humana assistida entre duas pessoas, tenham uma tranquilidade maior no registro, as famílias LGBTQIAPN+ ainda seguem à margem da legislação, enfrentando resistência e oposição não experimentadas por famílias heterossexuais no exercício de sua parentalidade”, afirma a advogada, especializada em casos assim.