Quarta-feira, 09 de julho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 13 de março de 2024
Semana passada tive duplo espanto com a manchete da CNN Brasil. Cheguei a pensar que seria “fake news”, busquei nos sites especializados e, primeiro espanto, era verdade: o presidente Lula afirmou claramente que os trabalhadores não querem mais a CLT, que sempre foi um sonho dos empregados conseguirem se transformar em autônomos. Ele próprio sonhava em ser taxista.
Segundo espanto: o silêncio. Na área jurídica trabalhista nenhuma fala revoltada, nenhum levante, cancelamento nem pensar, nada de rótulos de fascista, direitista, machista, nazista.
Estou aqui me controlando para não fazer o óbvio e registrar: “eu não disse?”. Serei melhor, ou tentarei sê-lo. Nada de revanchismos, nada de dedos em riste, nenhuma vontade de vingança A rigor, sempre soube que em algum momento a narrativa choca-se com a verdade. E perde.
A fala do presidente Lula é tão óbvia que não pode passar despercebida, como se fosse apenas um chiste ou uma tática política para ajudar no avanço do projeto de lei enviado pelo governo federal ao Congresso sobre motoristas de aplicativos, que os enquadra como autônomos (sem CLT).
Não. É muito mais. É o início do reconhecimento do futuro do Direito do Trabalho, da área trabalhista e da própria Justiça do Trabalho. É a salvação, a possibilidade de continuarmos a construção da necessária proteção ao trabalho humano.
Qualquer pessoa que minimamente se preocupe com o andar da regulação do trabalho no seio capitalista já sabe, há anos, que o modelo celetista de trabalho subordinado apresenta um esgotamento, com dificuldade de se adaptar às novas formas de trabalho (a questão dos aplicativos é apenas uma delas).
O ordenamento jurídico não previa terceirização?
Sem problemas, criamos a subordinação estrutural. Nada sobre trabalho por aplicativos? Ora, ora, subordinação algorítmica! Para cada novidade do mercado, uma nova interpretação da mesma lei, ao arrepio de qualquer lógica, como desejaria o Sr. Spock.
A diferença entre a ficção e a realidade é que aqui as manobras inventadas simplesmente não se sustentam, sendo facilmente abatidas pelos Klingons, como muitos veem o STF em matéria trabalhista, uma espécie de alienígenas que, por ignorância ou por puro sadismo, insistem em destruir a Justiça do Trabalho.
Antes de Lula, qualquer um que ousasse falar que o caminho não é mais apenas enquadrar a todos os trabalhadores na CLT, seria rapidamente isolado ou desacreditado. Agora as coisas devem mudar e, finalmente, os arautos do atraso precisarão ouvir e, quem sabe, refletir, pois o retardo na construção de novas formas de regulação do trabalho humano pode gerar sofrimento a milhões de brasileiros, literalmente.
Não se trata de abandonar ou demonizar o modelo celetista, mas apenas garantir sua aplicação para o fenômeno social por ele regulado: o trabalho subordinado da relação de emprego e alguns outros por exceção, como o trabalho avulso.
Alguns poderiam imaginar que o atual estado de coisas seria interessante para um livre mercado, não fosse a imprevisibilidade da Justiça do Trabalho com suas possíveis condenações. Pensar assim, entretanto, é pouco, é pequeno. Ainda que o STF de fato bloqueasse a magistratura trabalhista por eventual retirada de competência para as demais formas de trabalho que não a celetista.
Não podemos mais esperar nem nos dar ao luxo de embates ideológicos que sustentam narrativas para lá de desgastadas às custas do real destinatário de todo esse arcabouço normativo. Chega de ficção e voltemos à realidade.
A CLT continua importante, desempenhou até aqui um bom papel, mas as coisas mudaram, como tudo sempre muda. Insistir cegamente em modelos ultrapassados para os desafios atuais e futuros chega a ser cruel, um verdadeiro ataque à progressividade dos direitos humanos.
As ferramentas capazes de tornar os seres humanos em uma espécie ultracapacitada para o trabalho já estão à disposição enquanto perdemos tempo com esse debate, que hoje trago de novo aos leitores.
Às vezes penso que aumento o tom, várias outras creio que não vale a pena a exposição, mas sempre que vejo um entregador de bicicleta, sem capacete, sem luz vermelha na traseira, de chinelo, ouvindo música enquanto se embola com os carros no trânsito caótico do Rio de Janeiro, lembro que não podemos desistir, cabendo a cada um o seu papel.
Assim como o presidente Lula, tenho um sonho: que o trabalho sob dependência alheia seja exceção, que cada trabalhador brasileiro possa ter condições de escolher seu destino, construindo um caminho de liberdade, assumindo as rédeas do gasto de sua energia de trabalho e trilhando o significado de sua existência por conta própria.