Sexta-feira, 08 de agosto de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 7 de agosto de 2025
O câncer de fígado mata mais de 700 mil pessoas por ano. Mas três em cada cinco casos poderiam ser prevenidos, de acordo com uma análise abrangente publicada na segunda-feira na revista Lancet.
A pesquisa constatou que a prevenção poderia ser alcançada abordando as principais causas da doença: hepatite B, hepatite C, doença hepática associada ao álcool e doença hepática ligada a fatores de risco metabólicos, como a obesidade.
Com quase 900 mil novos casos globalmente a cada ano, o câncer de fígado é o sexto tipo de câncer mais comum e a terceira principal causa de morte por câncer. Se os casos continuarem a aumentar no ritmo atual, o número de novos diagnósticos anuais quase dobrará, chegando a 1,5 milhão globalmente em 2050, previu o estudo.
Os pesquisadores estimaram que a doença hepática decorrente do uso de álcool e a disfunção metabólica, juntas, representariam quase um terço dos novos casos de câncer de fígado. As descobertas estão alinhadas com o que especialistas em fígado têm observado em suas clínicas há anos.
“O câncer de fígado é comum, causa imenso sofrimento e morte, e o mais triste para mim como médico é que a maioria dos casos é evitável”, diz Brian P. Lee, professor associado de medicina na Faculdade de Medicina Keck da Universidade do Sul da Califórnia, que não participou do estudo.
Aprimoramentos na triagem, vacinação e tratamento nos últimos anos ajudaram a conter a hepatite viral, especialmente nos Estados Unidos. Mas a ameaça de câncer de fígado devido ao uso excessivo de álcool e à doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica, ou MASLD, anteriormente conhecida como doença hepática gordurosa não alcoólica, “tem sido subdiagnosticada e subestimada”, segundo o médico Ahmed Kaseb, professor de oncologia médica gastrointestinal no MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, que não esteve associado ao estudo.
O caminho para o câncer de fígado
A grande maioria dos cânceres de fígado surge em pessoas com cirrose, explica o médico Hashem El-Serag, chefe do departamento de medicina do Baylor College of Medicine, no Texas, e um dos autores do novo estudo. A cirrose, ou cicatrização avançada e amplamente irreversível do fígado, danifica o tecido saudável e impede o órgão de funcionar normalmente.
Os vírus da hepatite B e C causam inflamação que, se não tratada, pode causar cicatrizes e danos ao fígado, potencialmente levando à cirrose. E tanto o álcool quanto a disfunção metabólica levam a depósitos anormais de gordura no fígado, o que também pode resultar em inflamação.
Lee afirmou que o acúmulo de gordura e a inflamação atuam como um “caminho” para a formação de cicatrizes no fígado, que por sua vez podem danificar o DNA e levar ao câncer. “Pode haver várias rampas para chegar a esse caminho”, diz ele.
Por que a doença pode passar despercebida
O novo artigo constatou que a proporção de cânceres de fígado resultantes de hepatite B e hepatite C deve cair para 63% em 2050, ante 68% em 2022. Mas a incidência de cânceres de fígado resultantes de álcool e MASLD deve aumentar.
Estima-se que quatro em cada 10 adultos em todo o mundo tenham MASLD, uma condição na qual a gordura se acumula no fígado. Os fatores de risco incluem obesidade e diabetes tipo 2.
Um subconjunto de pacientes com MASLD desenvolverá uma forma avançada chamada esteato-hepatite associada à disfunção metabólica, ou MASH, que tem sido descrita como uma doença silenciosa, pois pode progredir para cirrose e câncer de fígado sem ser notada.
As diretrizes atuais recomendam o monitoramento de câncer de fígado em pacientes com histórico de hepatite viral ou cirrose estabelecida. Pacientes com MASH normalmente não atendem a esses critérios, disse Kaseb, mas podem apresentar cicatrizes hepáticas sem sintomas, e ninguém saberia.
É por isso que o rastreamento de doenças hepáticas precisa começar na atenção primária, onde os casos podem facilmente passar despercebidos, afirma a médica Mary Rinella, hepatologista da Universidade de Medicina de Chicago e principal autora das diretrizes para o manejo da MASLD. Ela recomenda que os médicos utilizem uma métrica chamada Fib-4, que utiliza resultados de exames de sangue de rotina para estimar a quantidade de cicatrizes hepáticas, para rastrear pacientes de alto risco. Isso inclui pessoas com diabetes tipo 2 ou obesidade com pelo menos um outro fator de risco metabólico, como colesterol alto.
A MASLD é reversível com mudanças no estilo de vida, incluindo uma dieta saudável e aumento da prática de exercícios, e medicamentos para perda de peso demonstraram recentemente ser eficazes na reversão de cicatrizes.
“Se você interromper a causa ou o impulso para cicatrizes e lesões no fígado, terá menos probabilidade para o desenvolvimento de câncer”, diz Rinella.
Álcool agrava o problema
A doença hepática relacionada ao álcool também está aumentando. Em uma pesquisa publicada este mês, Lee e seus colegas mostraram que o risco de doença hepática relacionada ao álcool entre grandes bebedores (pelo menos 10 doses por semana para mulheres e 15 para homens) nos Estados Unidos mais que dobrou entre 1999 e 2020, apesar do consumo semelhante de álcool nesse período. Isso sugere que os grandes bebedores de hoje podem ser mais sensíveis aos efeitos do álcool no fígado do que os do passado, afirma Lee.
Isso pode ocorrer porque a população de grandes bebedores está mudando. Os pesquisadores descobriram que as mulheres, que são mais propensas do que os homens a desenvolver gordura e danos no fígado devido ao álcool, agora representam uma parcela maior de grandes bebedores do que há 20 anos. O mesmo ocorre com pessoas com síndrome metabólica, um conjunto de distúrbios metabólicos que, juntos, aumentam o risco de diabetes, doenças cardíacas e derrames — e agravam os danos causados pelo álcool ao fígado.
Beber muito e ter uma condição metabólica como a obesidade podem danificar o fígado de forma independente, mas pacientes que se enquadram em ambas as categorias correm um risco especialmente alto.
“O consumo de álcool está aumentando. A obesidade e o diabetes estão aumentando”, pontua. “A perspectiva é que que continuemos a ver uma alta incidência de doenças hepáticas.”