Sexta-feira, 25 de abril de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 24 de abril de 2025
O mundo tem acompanhado com perplexidade a maneira como Donald Trump vem desafiando os pilares que sustentam as democracias liberais — não apenas nas suas ações de política interna, mas também na condução da economia e nas relações geopolíticas dos Estados Unidos. Seu último ataque ao Presidente do FED, Jerome Powell, é um dos tantos exemplos que contrasta de modo profundo com os mais elementares preceitos liberais.
Trump não é um acidente isolado, mas um sintoma de uma crise mais profunda: a corrosão do respeito pelas normas e limites que regem o Estado de Direito. Como bem observava Alexis de Tocqueville, a singularidade dos Estados Unidos residia em sua capacidade de evitar a tirania da maioria, estabelecendo freios constitucionais que resguardassem os direitos individuais contra os impulsos autoritários — inclusive aqueles originados de líderes eleitos.
A lógica que Trump frequentemente adota, e que lhe permitiu ser eleito duas vezes para a Casa Branca, é a de que a vitória eleitoral lhe concede um cheque em branco para governar conforme sua vontade, muitas vezes em desprezo às leis e aos costumes que moldaram o liberalismo ocidental. Esse raciocínio, adotado também por seus defensores, normaliza a ideia de que a legitimidade democrática reside exclusivamente no ato da eleição, e não em um compromisso contínuo com a ordem institucional. Trump não demonstra moderação ou qualquer contenção, o que desgasta os contrapesos institucionalmente forjados nos mais de 200 anos da democracia americana. Sua mais recente investida contra o sistema de ensino superior do País denota total desconexão com um dos setores responsáveis pela ascensão dos EUA: a produção de conhecimento.
No campo econômico, o Presidente americano tem distorcido os princípios liberais ao abraçar um protecionismo agressivo, substituindo a confiança no livre mercado por uma política de tarifas, subsídios e barganhas comerciais personalistas. Sua guerra comercial com a China, por exemplo, longe de ser uma defesa racional da competitividade americana, expôs uma postura mais próxima do nacionalismo econômico do século XIX do que da globalização liberal do pós-guerra. Em vez de promover a abertura de mercados e a integração econômica, Trump prefere erigir barreiras e privilegiar acordos bilaterais opacos, guiados por critérios políticos e não por eficiência econômica.
Na geopolítica, a situação é igualmente preocupante. O liberalismo, especialmente em sua vertente internacional, preza pela cooperação multilateral, pela previsibilidade nas relações externas e pelo fortalecimento de instituições como a ONU, a OTAN e a OMC. Trump, no entanto, despreza sistematicamente essas instituições, preferindo uma diplomacia personalista e errática, que trata aliados históricos com desprezo e autocratas com admiração. Esse comportamento não apenas enfraquece o sistema liberal internacional, mas abre espaço para potências autoritárias ocuparem um vácuo de liderança.
O caso Trump ilustra um ponto essencial e perigoso: a democracia não é apenas um ritual eleitoral. O que a sustenta são princípios que limitam o poder, mesmo (e especialmente) quando esse poder é concedido pelas urnas. A normalização do argumento de que “se foi eleito, pode ignorar a lei” revela um desprezo alarmante pelo contrato social que Tocqueville viu como antídoto contra a tirania da maioria.
Quando um líder — por mais carismático que seja — desrespeita essas normas e trata o Estado como extensão de sua vontade, o que está em risco não é apenas a economia ou a geopolítica, mas o próprio espírito do liberalismo, que sustenta as sociedades livres. A ameaça não vem de fora, mas de dentro: de líderes eleitos que renegam as regras do jogo enquanto alegam estar jogando conforme elas.
Se a democracia liberal pretende sobreviver ao século XXI, terá de reafirmar com vigor que o poder não é absoluto, que eleições não legitimam abusos e que a lei é a principal defesa contra o autoritarismo — mesmo (ou principalmente) quando este surge vestido de populismo democrático.
(edsonbundchen@hotmail.com)