Domingo, 19 de outubro de 2025

Trump sozinho não vai conseguir salvar a Argentina

Quando os argentinos forem às urnas nas eleições legislativas de 26 de outubro, a principal questão será simples: querem estabilizar de uma vez por todas a sua economia?

O futuro econômico do país depende de os eleitores terem vontade política suficiente para apoiar a coalizão original do presidente Javier Milei e seu programa de reformas —ou retroceder, fortalecendo partidos de oposição que prometem mais gastos e novo calote da dívida.

A estabilidade econômica sempre foi o sonho mais esquivo da Argentina. Há mais de oito décadas, o país oscila de crise em crise, preso em um ciclo de déficits, inflação e esperanças frustradas. Governos sucessivos tentaram restaurar a ordem —e fracassaram, não por falta de esforço, mas porque as reformas necessárias nunca duraram tempo suficiente para que a confiança se consolidasse.

A fraqueza crônica da Argentina é a indisciplina fiscal. Políticos tendem a gastar além das possibilidades do país, emitir dívidas que não conseguem honrar, imprimir dinheiro para cobrir o rombo e depois depender —explícita ou implicitamente— da inflação e do calote para apagar o valor da moeda e da dívida emitida.

O roteiro é conhecido: déficits fazem a dívida crescer; o mercado exige juros cada vez mais altos; a dívida aumenta ainda mais, até ultrapassar a capacidade de pagamento do governo. O resultado é pânico, hiperinflação e inadimplência.

Houve duas tentativas modernas de romper esse ciclo —ambas ousadas, promissoras e, no fim, fracassadas.

No início dos anos 1990, o presidente Carlos Menem e o ministro da Economia Domingo Cavallo lançaram o Plano de Conversibilidade, atrelando o peso ao dólar em paridade de um para um, cortando gastos, liberalizando o comércio e promovendo amplas reformas financeiras. O objetivo era impedir o governo de simplesmente imprimir dinheiro para cobrir déficits: cada peso precisava ser lastreado por um dólar em reservas internacionais. Por um tempo, a inflação desapareceu e o crescimento voltou.

Mas a incapacidade de ajustar o câmbio se revelou fatal quando, no fim da década, uma combinação de valorização do dólar e queda nos preços agrícolas tornou o peso supervalorizado. Com o aumento do déficit, o mercado perdeu confiança. Em 2001, o sistema colapsou —com moratória, desvalorização e caos político.

A segunda tentativa começou em 2015, com o presidente Mauricio Macri, um empresário pró-mercado. Ele evitou a rigidez da paridade com o dólar, permitindo que o peso flutuasse. Em vez de impor austeridade imediata, optou por cortes graduais, acreditando que o apoio político sustentado se traduziria em credibilidade.

O mercado inicialmente reagiu bem, mas logo considerou as reformas tímidas, especialmente após Macri não conseguir reduzir o déficit. Em 2018, o capital começou a fugir do país. Macri recorreu ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para obter o dinheiro que os mercados se recusavam a emprestar. Quando as primárias de 2019 indicaram o retorno de seus antecessores gastadores, a confiança desabou e a crise voltou.

Quatro anos depois, cansados de inflação e recessão, os eleitores votaram por mudança com Javier Milei, economista libertário e autoproclamado “anarcocapitalista”. Ao assumir o cargo em dezembro de 2023, prometeu encerrar o caos fiscal argentino. Seu programa combinava cortes drásticos de gastos e reformas estruturais —como desregulamentação e privatizações—, mas manteve controles sobre a saída de dólares do país.

Inicialmente, o programa de Milei trouxe uma recuperação surpreendentemente rápida: a inflação caiu dos três dígitos em dezembro de 2023 para cerca de 30% em agosto deste ano. Em abril, o governo também obteve um empréstimo de US$ 20 bilhões do FMI e aproveitou o momento para eliminar as restrições às operações com dólares.

Por um instante, pareceu que a Argentina poderia enfim romper o ciclo. O pacote do FMI deu ao governo reservas externas cruciais e simbolizou um voto de confiança no programa de Milei, impulsionando os títulos argentinos e reduzindo o custo de endividamento.

Mas dois abalos políticos recentes mudaram o rumo. Primeiro, vieram acusações de corrupção contra Karina Milei, irmã e principal assessora do presidente, levantando dúvidas sobre seu compromisso com uma nova política “limpa”. Depois, uma derrota eleitoral na província de Buenos Aires, a maior do país, intensificou as incertezas.

Milei conseguiria sustentar sua agenda se sua base de poder enfraquecesse? O Congresso cooperaria com seu modelo? Ou os opositores voltariam ao poder para reverter as reformas?

Essas dúvidas são decisivas. Nos próximos anos, a Argentina precisa pagar mais de US$ 45 bilhões em dívida externa, incluindo US$ 15 bilhões ao FMI. Para isso, o país precisa voltar a captar recursos nos mercados globais a taxas razoáveis —algo que depende da credibilidade. Sem ela, os investidores só emprestam cobrando juros proibitivos, empurrando o país para o calote que tenta evitar.

Ricardo Hausmann

Professor de economia política internacional na Escola Kennedy de Harvard. Foi ministro do planejamento da Venezuela e economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

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