Segunda-feira, 22 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 22 de dezembro de 2025
O futuro das chamadas canetas indicadas para o tratamento da obesidade ainda está em construção. Embora tenham representado um avanço relevante em um cenário historicamente carente de opções eficazes, especialistas alertam que esses medicamentos, que simulam a ação do hormônio GLP-1, não devem ser encarados como solução definitiva para uma doença crônica e multifatorial.
“A gente carecia de produtos que tivessem maior efetividade no tratamento da obesidade, e a sociedade vinha clamando por isso”, afirma o endocrinologista Josemar de Almeida Moura, professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para o nutricionista e fisiologista Hamilton Roschel, diretor científico do Centro de Medicina de Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), nunca houve uma intervenção farmacológica com tamanho impacto. “É um auxiliar de grande relevância na terapia da obesidade”, diz.
O entusiasmo, no entanto, encontra limites. “Hoje há uma espécie de panaceia, como se o problema já estivesse resolvido”, alerta Moura. Roschel reforça que os miméticos de GLP-1 não podem ser vistos como o “Santo Graal” do manejo da obesidade. Em 1.º de dezembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou diretrizes globais para o uso desses medicamentos, destacando a necessidade de acompanhamento clínico e mudanças no estilo de vida.
As canetas são medicamentos injetáveis desenvolvidos inicialmente para o tratamento do diabetes tipo 2 e que passaram a ser utilizados no controle do peso por imitarem a ação do GLP-1 — hormônio que retarda o esvaziamento gástrico e aumenta a saciedade —, em alguns casos associado ao GIP, que atua no metabolismo da gordura e da glicose. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso da semaglutida (Ozempic e Wegovy), da liraglutida (Saxenda e Victoza) e da tirzepatida (Mounjaro). A retatrutida segue em fase 3 de estudos clínicos e ainda não está liberada para comercialização.
A tendência é de ampliação rápida desse portfólio. Segundo o cirurgião do aparelho digestivo Elesiario Caetano, professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), há mais de 130 estudos em fase avançada. Projeções indicam que o mercado global dos agonistas de GLP-1 pode saltar de US$ 48,3 bilhões, em 2024, para US$ 121,1 bilhões em 2034.
Para ampliar ainda mais esse mercado, as farmacêuticas investem em versões orais dos medicamentos. Um dos principais desafios é proteger as moléculas no trato digestório. Por isso, cresce a expectativa em torno do orforglipron, substância sintética que pode ser submetida à aprovação regulatória ainda neste ano.
Apesar dos avanços, os especialistas são categóricos ao afirmar que não há milagres. O Atlas Mundial da Obesidade de 2025 projeta que, mantidas as tendências atuais, quase 3 bilhões de adultos terão índice de massa corporal (IMC) elevado até 2030. No Brasil, entre 20% e 30% da população já convive com a obesidade.
O uso isolado das canetas, sem mudanças comportamentais, pode levar ao chamado efeito ioiô. “Ao interromper o medicamento, o apetite retorna, muitas vezes de forma intensificada”, afirma Moura. Além disso, a perda acelerada de peso pode comprometer a massa magra. Há ainda riscos associados ao uso prolongado ou intermitente, como distúrbios gastrointestinais, pancreatite aguda e possíveis efeitos oftalmológicos, ainda em investigação.
Outro obstáculo é o custo elevado, que limita o acesso. Moura lembra, porém, que a ampliação da oferta e a quebra de patentes podem reduzir os preços no futuro. Para Roschel, mesmo com maior acesso, o tratamento só será eficaz se vier acompanhado de uma abordagem multiprofissional e de condições sociais que favoreçam hábitos alimentares saudáveis. “Não há medicamento capaz de sustentar o peso diante de um cotidiano engordativo”, resume.
(Com informações do jornal O Estado de S. Paulo)