Domingo, 14 de dezembro de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 14 de dezembro de 2025
Em tempos de crise ambiental e de perplexidade diante dos rumos da humanidade, é fundamental revisitar as vozes que enxergaram nosso planeta para além da lógica utilitarista e antropocêntrica. Entre elas, destaca-se Ron Garan, ex-astronauta da NASA, que passou 178 dias no espaço e completou 2.842 órbitas ao redor da Terra.
Durante sua jornada, Garan experimentou o chamado Overview Effect, fenômeno descrito por astronautas que, ao observar o planeta do espaço, percebem sua fragilidade e interconexão. Para Garan, a Terra é um sistema único, protegido por uma camada finíssima que sustenta toda a vida.
Ele alerta que vivemos uma mentira ao tratar nosso lar como recurso descartável, e que problemas como mudanças climáticas e desmatamento são sintomas de uma crise maior: a desconexão com a realidade planetária.
No Brasil, José Lutzenberger foi pioneiro ao levantar a bandeira da consciência ambiental já em 1971, quando fundou a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. Lutzenberger não se limitou a denunciar os impactos da poluição e da degradação; ele trouxe uma reflexão ética e filosófica sobre nossa relação com a Terra.
Para ele, a natureza não é um estoque de recursos, mas um sistema vivo do qual fazemos parte. Suas práticas sustentáveis e sua crítica ao modelo industrial predatório permanecem atuais, lembrando-nos que a ecologia é também uma questão de valores e de civilização.
Ailton Krenak, liderança indígena e pensador contemporâneo, amplia esse debate ao trazer a perspectiva dos povos originários. Nascido às margens do Rio Doce, Krenak carrega em sua trajetória a luta pela defesa das florestas e pela sobrevivência cultural de seu povo. Em suas obras e discursos, ele aponta as falhas da vida humana atual, marcada pela desconexão espiritual e pela ilusão de progresso infinito.
Para Krenak, a floresta não é apenas um espaço físico, mas um ser vivo, um parente, cuja destruição significa também a mutilação da própria humanidade. Sua visão nos lembra que não há futuro possível sem a preservação dos ecossistemas e sem o reconhecimento da diversidade cultural que sustenta modos de vida mais harmônicos.
James Lovelock, cientista britânico, trouxe ao mundo a teoria de Gaia, segundo a qual a Terra funciona como um organismo vivo capaz de autorregular-se. Essa interpretação revolucionária rompeu com a visão mecanicista da ciência e aproximou-se de tradições ancestrais que já viam o planeta como um ser dotado de inteligência própria.
Lovelock mostrou que os sistemas atmosféricos, oceânicos e biológicos interagem de forma a manter condições favoráveis à vida. Sua teoria, embora contestada em alguns círculos acadêmicos, inspirou uma nova forma de pensar a ecologia: não como gestão de recursos, mas como convivência com um organismo do qual somos parte inseparável.
Outros nomes também se somam a esse coro. Rachel Carson, com seu livro Silent Spring, denunciou os efeitos devastadores dos pesticidas e inaugurou a consciência ambiental moderna. Chico Mendes, seringueiro e líder amazônico, mostrou que a defesa da floresta é também defesa da dignidade humana. Wangari Maathai, no Quênia, plantou milhões de árvores e provou que a regeneração ambiental pode caminhar junto com justiça social.
Apesar das diferenças de origem e trajetória, todos esses personagens convergem em pontos essenciais: a percepção de que a Terra é frágil e interdependente; a crítica ao modelo de exploração desenfreada; e a defesa de uma ética planetária que reconheça nossa responsabilidade coletiva. Seja pela experiência cósmica de Ron Garan, pela filosofia de Lutzenberger, pela sabedoria ancestral de Krenak ou pela teoria científica de Lovelock, o recado é claro: não somos donos da Terra, somos parte dela.
Esta coluna busca trazer mais consciência para quem passou os olhos sobre estas linhas. Vivemos um momento de delírio coletivo, em que o consumo e a indiferença parecem ditar o ritmo da civilização. Mas há esperança. A história mostra que novas visões podem transformar sociedades.
Se ouvirmos essas vozes e permitirmos que elas nos inspirem, poderemos despertar para o que realmente importa: cuidar da casa comum, respeitar seus limites e celebrar a vida em todas as suas formas. O futuro não está perdido; ele depende da nossa capacidade de reconectar-nos com Gaia e de reconhecer que, juntos, podemos atravessar este tempo de crise e construir um amanhã mais justo e sustentável.
* Renato Zimmermann é desenvolvedor de negócios sustentáveis e ativista da transição energética