Segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Uso irregular do calmante mais vendido no Brasil causa dependência silenciosa entre idosos

O clonazepam, calmante mais vendido do Brasil, é parte da rotina de milhões de brasileiros — especialmente de idosos. As estimativas apontam que ao menos 2 milhões de pessoas acima de 60 anos fazem uso do medicamento no país.

Só em 2024, foram 39 milhões de caixas comercializadas, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O volume supera, por ampla margem, o de outros ansiolíticos do mesmo grupo, como o alprazolam (20,5 milhões de unidades), o bromazepam (15,3 milhões) e o diazepam (7,7 milhões).

O uso do clonazepan, que deveria ser restrito a crises agudas de ansiedade ou insônia, se prolonga por anos e, silenciosamente, transforma o alívio em dependência.

“Muitos chegam com a receita renovada há anos, sem lembrar quando começaram a usar o remédio”, conta o neurologista Alan Eckeli, especialista em Medicina do Sono e professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. “O efeito é rápido e eficaz, e é exatamente isso que o torna perigoso. O medicamento funciona — mas, equivocadamente, passa a ser tomado sem fim.”

Segundo o médico, a banalização do uso começa ainda na prescrição. “Muitas vezes, quem indica o clonazepam não tem formação em sono ou saúde mental. A insônia é tratada como sintoma, não como doença — e o tratamento se eterniza.”

Benzodiazepínicos

O clonazepam, de nome comercial Rivotril, pertence à classe dos benzodiazepínicos, medicamentos que atuam reforçando o GABA, um neurotransmissor responsável por desacelerar a atividade cerebral.

Ele é indicado oficialmente para o tratamento de epilepsia, transtornos convulsivos, crises de pânico, ansiedade e distúrbios do sono, de acordo com a bula aprovada pela Anvisa.

O efeito calmante aparece rápido — o corpo relaxa, a mente desacelera — e a sensação pode durar até 24 horas, graças à liberação lenta do princípio ativo, que mantém o efeito por mais tempo.

No entanto, seu uso contínuo como ansiolítico diário é incorreto e não recomendado, já que o medicamento foi desenvolvido para tratamentos de curta duração ou situações específicas, sob acompanhamento médico.

Vazio emocional

“É muito comum recebermos idosos que tomam benzodiazepínicos há anos, sem qualquer revisão da prescrição. A medicação gera conforto sintomático, mas não resolve o problema de fundo”, afirma a psiquiatra Simone Kassouf, responsável técnica pela rede de psiquiatria Somente.

O efeito rápido, que traz alívio imediato, é também o que alimenta o uso contínuo. Segundo Kassouf, remédios dessa classe deveriam ser indicados apenas em crises agudas de ansiedade ou insônia, mas acabaram sendo incorporados à rotina.

“Quando o uso se prolonga, o organismo se adapta: o mesmo comprimido já não faz efeito, e o paciente tende a aumentar a dose por conta própria. É assim que a dependência se instala.”

Essa adaptação, explica a psiquiatra Camilla Pinna, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vai muito além do corpo. “Com o uso regular, o cérebro aprende a relaxar apenas na presença do remédio. Quando tenta parar, a ansiedade e a insônia voltam mais intensamente — é o chamado efeito rebote.”

Ela observa que, para muitos idosos, o calmante também preenche vazios emocionais. “O corpo se acostuma, mas o medo de ficar sem o medicamento reforça o vício. Muitos tomam o remédio não só para dormir, mas para lidar com a solidão, o luto, a dor crônica. É um uso que vai muito além do biológico.”

Solidão

O uso prolongado, dizem os especialistas, é reflexo de um envelhecimento ansioso e solitário.

“Muitos idosos acabam recorrendo ao calmante não apenas por insônia ou ansiedade, mas por solidão, luto ou falta de apoio familiar”, afirma Camilla Pinna, psiquiatra da UFRJ. “Esses fatores emocionais pesam muito e precisam ser acolhidos — conversas, vínculos e atividades podem fazer tanta diferença quanto o remédio.”

O geriatra Pedro Curiati, do Hospital Sírio-Libanês, acrescenta que esse quadro de tristeza e retraimento muitas vezes é confundido com ansiedade, o que leva à prescrição inadequada de calmantes. Ele explica que a depressão é comum nessa fase da vida e tem múltiplas causas — desde a perda de vínculos até as limitações trazidas por doenças crônicas. As informações são do Correio Braziliense e g1.

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