Sexta-feira, 13 de junho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 11 de junho de 2025
O vício em apostas esportivas online custou o equivalente a sete anos da reserva financeira do gestor comercial Gustavo Henrique. O que começou como uma brincadeira se transformou em dependência: ele admite ter fingido trabalhar enquanto apostava pelo celular durante o expediente.
Demitido há menos de um mês, Gustavo agora enfrenta mais de R$ 80 mil em dívidas e incertezas. “Foi a primeira vez que me vi viciado em algo. Não conseguia parar. Corro o risco de ter as contas bloqueadas pelo banco, tenho aluguel para pagar. Não sei como vai ser”, afirmou.
O profissional é uma das milhares de faces da “epidemia das bets”, termo usado por especialistas para descrever o crescimento desenfreado de pessoas envolvidas em apostas esportivas online.
O fenômeno já representa um problema de larga escala e se manifesta no ambiente de trabalho de formas evidentes ou por sintomas silenciosos.
No Brasil, 54% dos gestores dizem que os subordinados aproveitam o horário de descanso, como a pausa do almoço, para apostar. A informação é de uma pesquisa divulgada neste ano pela Creditas Benefícios, em parceria com Wellz by Wellhub e Opinion Box, que ouviu 405 gestores e profissionais de Recursos Humanos.
Sobre os impactos no ambiente de trabalho, 66% apontam que o vício compromete a saúde mental e física dos trabalhadores. Em seguida, aparecem a queda na produtividade, com 59%; o aumento da rotatividade, 21%; e a piora na reputação da empresa, com 16%.
A psicóloga e especialista em liderança profissional Andréa Krug explica que o vício em bets funciona no cérebro de forma semelhante ao alcoolismo ou ao uso de drogas: há uma descarga de dopamina que gera gratificação instantânea e cria dependência.
Ela afirma que o problema é difícil de identificar e tratar no ambiente de trabalho, pois a mudança de comportamento pode ser confundida com diversos problemas de saúde mental.
Os impactos também podem se refletir em sentimento de culpa, vergonha e, em casos extremos, pensamentos suicidas, de acordo com Rui Brandão, CEO da plataforma de saúde mental Zenklub.
No ambiente corporativo, isolamento e conflito são alguns dos efeitos. No caso de Gustavo Henrique, a carreira vinha estável como promotor em uma empresa em Canela, no Rio Grande do Sul. Em 2021, ele começou a apostar, inicialmente por diversão, e aos poucos aumentou os valores.
Um ano depois, ganhou R$ 90 mil em apenas um mês. Foi o suficiente para pedir demissão em 2022 e tentar viver apenas de apostas. A rotina se resumia a assistir a jogos de futebol e basquete para apostar.
Ativo em três plataformas de jogos de azar, costumava apostar em escanteios, número de gols, finalizações (no caso de futebol) ou pontuação de jogadores (basquete).
Gustavo conta que participava de grupos no WhatsApp com milhares de apostadores que viviam a mesma rotina.
Mas o que parecia ser uma profissão começou a desandar. Da mesma forma que ganhou dinheiro em pouco tempo, os problemas financeiros aumentaram rapidamente. Chegou a resgatar R$ 200 mil de sua reserva financeira. Para tentar reaver o valor, contraiu empréstimos em bancos.
No começo deste ano, ele conseguiu um novo emprego, mas foi demitido por baixo desempenho. “Estava tão focado em tentar recuperar dinheiro que não conseguia render (no trabalho).”
Ao Estadão, o profissional contou que estava havia quase um mês sem apostar e também publicando vídeos no TikTok para compartilhar sua história. Recém-contratado por uma corretora, ele agora concilia a rotina de, durante o dia, cumprir expediente e, à noite, faz lives na plataforma como forma de complementar a renda.
Ambição
Foi com a ambição de melhorar a condição financeira que a gestora logística Raissa Romão começou a apostar semanalmente. O objetivo era levantar dinheiro para investir na loja de maquiagem da qual era dona.
As apostas diárias em plataformas esportivas variavam entre R$ 15 e R$ 50. Em uma semana, chegou a ganhar R$ 1 mil, mas os prejuízos superaram o que havia ganhado. “Comecei a tentar recuperar o que perdia, e foi aí que perdi tudo.”
Influenciada por pessoas próximas que pareciam lucrar com as apostas, Raissa se envolveu cada vez mais. Em pouco tempo, já não conseguia pagar o aluguel do ponto comercial. Nesse período, resolveu pegar empréstimos com agiotas.
Em sete meses, Raissa acumulou dívidas em sete bancos, estourou todos os cartões e precisou contar à família. Em janeiro de 2022, decidiu fechar a loja por não ter mais condições de arcar com as contas. Desde então, desinstalou aplicativos de apostas e voltou ao mercado de trabalho formal, no qual segue há três anos. (Com informações do Estado de S. Paulo)