Quinta-feira, 03 de outubro de 2024

Vídeo usa gráfico desatualizado para negar existência do aquecimento global

Circula na internet um vídeo que apresenta dados falsos sobre a circulação atmosférica para alegar que a temperatura do planeta obedece a uma sazonalidade, ora esquentando, ora esfriando, e que, neste momento, estaríamos passando por um período de resfriamento global. O autor do vídeo nega que a ação humana teria alguma influência no aumento da temperatura da Terra.

O autor do vídeo mostra um gráfico antigo, que não retrata a realidade da temperatura média global da Terra das últimas décadas. Dados atuais e mais robustos mostram que o planeta está aquecendo e que a ação humana é um dos fatores da mudança climática. O responsável pelo conteúdo falso foi procurado, mas não respondeu.

Com 180 mil visualizações, o vídeo intitulado “Prof Molion mostra a repetição climática, e afasta o alarmismo”, foi publicado no YouTube em 30 de agosto. O conteúdo mostra uma explicação do meteorologista Luiz Carlos Baldicero Molion, considerado um dos principais negacionistas climáticos do País, sobre mudanças na circulação atmosférica global.

Para amparar a hipótese de que a temperatura da Terra tem comportamento repetitivo, supostamente natural, ora esquentando, ora esfriando, Molion mostra um gráfico que correlaciona um Índice de Circulação Atmosférica (ICA) com desvios da temperatura média global, ao longo do período que vai do ano 1891 até 2000.

Ao analisar os dados, ele chega à conclusão que existe um ciclo de 60 anos, formado por 30 anos de aquecimento, seguidos de 30 anos de resfriamento. “Se continuar esse regime estabelecido há 150 anos atrás, então, nós vamos esperar que haja realmente um resfriamento global neste período [de 2006] até 2035″, conclui ele.

Aquecimento global

Dados mais recentes desmontam a previsão de Molion. O professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Leite da Silva Dias explica que nos anos de 2004, 2005 e 2006 houve uma pequena estabilização da mudança da temperatura. “Não chegou a diminuir [como previu Molion], mas parou de subir. Logo depois, a temperatura média da Terra voltou a subir e está subindo até hoje”, explica ele.

“O que deveria ter acontecido, pela lógica do Molion [um resfriamento global], não aconteceu, por isso que ele mostra esses gráficos até os anos 2000″, analisou o professor da USP. “Até 1990, [Molion] estava atualizado, mas nos últimos 20, 25 anos ele não acompanhou mais a evolução da ciência”.

O professor da USP explica ainda que o índice ICA, citado por Molion, retrata mudanças no comportamento da circulação da alta atmosfera na região polar, entre o Atlântico, a Europa e parte da Rússia, e que portanto não é o mais adequado para retratar a nossa realidade aqui no Hemisfério Sul.

“Existem outros índices que foram definidos nessas últimas décadas que são mais robustos”, explicou o professor e cita como exemplos o Antarctic Oscillation (AAO) e o Southern Annular Mode (SAM). “Esse que é retratado no gráfico é baseado em poucas observações e atualmente não representa o que efetivamente está acontecendo na atmosfera polar”.

Hipótese enganosa

A doutora em Clima e Oceanografia e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Regina Rodrigues confirma que o gráfico foi tirado de um estudo antigo e que o índice ICA não é usado pelos cientistas. “Se esse índice fosse utilizado e aceito pela comunidade científica, provavelmente a gente conseguiria achar gráficos atualizados [dele] até 2023″, explicou ela.

Na avaliação da doutora, Molion escolheu um gráfico que era conveniente para a hipótese enganosa dele. “É o que a gente chama de cherry picking, que é se amparar em aspectos pontuais ao invés de olhar para um corpo de evidências”, acrescentou. Ao expandir o olhar, e considerar outros fatores, a conclusão mostra que o planeta está aquecendo, informa a professora.

Ao contrário do que a o vídeo sugere, para a professora há motivo sim para alarmismo. Com o aquecimento global, estamos vivendo cada vez mais extremos climáticos. Ela avalia que as ondas de calor muito intensas, intercaladas com com as de frio severo, vão afetar a agricultura, prejudicando a produção de alimentos na escala que temos hoje. “É bom entendermos que a civilização como a temos hoje só se desenvolveu porque o clima foi muito constante, mas a gente tá saindo muito fora desse caminho”, disse.

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