Segunda-feira, 23 de junho de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 22 de junho de 2025
Casos de violência doméstica envolvendo celebridades frequentemente ocupam as manchetes. Mas, em alguns episódios, a repercussão foi além do escândalo: transformou-se em pressão social e resultou em mudanças legais concretas, com efeitos duradouros na forma como o sistema de Justiça trata a violência de gênero.
Para o advogado criminalista Davi Gebara, que atua em casos de violência doméstica e de gênero, quando o assunto atinge figuras públicas, a comoção se torna um catalisador de mudança. “Esses casos expõem o que milhões vivem em silêncio. Quando uma vítima conhecida fala ou é ouvida, o sistema é pressionado a reagir. A Justiça costuma avançar não por sensibilidade, mas por urgência política e social”, afirma.
Um dos casos mais marcantes ocorreu em 2009, quando a cantora Rihanna denunciou o então namorado, Chris Brown, por agressão. As imagens de seu rosto machucado circularam pelo mundo, gerando indignação internacional. O artista foi processado por agressão grave (felony assault), declarou-se culpado e foi sentenciado a cinco anos de liberdade condicional, além de trabalhos comunitários e aconselhamento. O episódio impulsionou campanhas globais de conscientização sobre abuso em relacionamentos jovens e o papel da mídia na responsabilização pública.
No Reino Unido, a cantora Mel B, ex-integrante das Spice Girls, tornou pública, anos depois, sua experiência de violência emocional e física durante o casamento. Seu relato contribuiu para ampliar o debate sobre o chamado “controle coercitivo”, padrão de abuso psicológico e isolamento que muitas vezes não deixa marcas visíveis, mas tem efeitos profundos. Em 2015, o Reino Unido sancionou o Serious Crime Act, que passou a criminalizar esse tipo de comportamento. A nova legislação foi vista como marco na ampliação da proteção legal às vítimas.
Na Argentina, o assassinato de Wanda Taddei, em 2010, chocou o país. Queimada viva pelo marido, um músico conhecido localmente, Wanda teve seu nome associado à mudança legislativa mais dura já feita no país contra o feminicídio. A comoção pública levou o Congresso a incluir no Código Penal um agravante específico para homicídios de mulheres cometidos com crueldade extrema por motivos de gênero.
No Brasil, o caso mais emblemático segue sendo o de Maria da Penha. Alvo de duas tentativas de feminicídio por parte do então marido, em 1983 e 1984, ela enfrentou uma batalha judicial que durou 19 anos. O caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado brasileiro por omissão. A repercussão internacional levou à criação da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, referência mundial no enfrentamento à violência doméstica.
Para o Dr. Davi, embora mudanças legais representem avanços significativos, elas só produzem efeito real quando vêm acompanhadas de políticas públicas, formação de profissionais e redes de acolhimento. “As leis mudam, mas a cultura só muda quando a sociedade inteira se responsabiliza. Casos públicos têm um papel simbólico enorme, mas a transformação concreta acontece quando a mulher anônima também se sente protegida para denunciar e reconstruir sua vida”, afirma.
O que esses episódios mostram é que, mesmo em contextos de dor extrema, há possibilidade de ruptura, e de avanço. A cada história que vem à tona, o debate público se fortalece, e com ele, a construção de uma legislação mais justa, mais atenta e menos tolerante com a violência de gênero.