Sexta-feira, 16 de maio de 2025
Por Redação do Jornal O Sul | 15 de maio de 2025
Apesar de consagrada no artigo 29 da Constituição Federal, a imunidade parlamentar não constitui um salvo-conduto absoluto para detentor de mandato político expressar manifestações discriminatórias, por exemplo. A observação consta em decisão de juiz da 3ª Vara Federal de Caxias do Sul (Serra Gaúcha) que condenou o vereador Sandro Luiz Fantinel (PL), a pagar indenização de R$ 100 mil por dano moral coletivo, por causa de um discurso xenofóbico contra os baianos.
O incidente ocorreu em uma sessão na Câmara Municipal no dia 28 de fevereiro de 2023. Transmitido na internet e gravado pelo Legislativo, o discurso do vereador foi alvo de repúdio em todo o País ao ter os seus últimos três minutos dedicados ao negacionismo sobre flagrantes então recentes, em Bento Gonçalves, de trabalho análogo à escravidão. Não contente, ele proferiu uma série de ofensas ao povo da Bahia, pois as vítimas do caso eram daquele Estado.
Sandro Fantinel defendeu a ideia de que os empresários da Serra Gaúcha não contratassem mais “aquela gente lá de cima”. Disse, ainda, que argentinos deveriam ter preferência na contratação para trabalhos temporários, por serem “mais limpos e corretos, cumprem o horário e, no dia de ir embora, ainda agradecem ao patrão”. Ele prosseguiu: “Agora, com os baianos, a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, então é normal que fosse ocorrer aqui [na Serra] esse tipo de problema”.
Em um trecho de seu discurso na tribuna, o parlamentar chegou a ironizar as condições degradantes encontradas no alojamento dos trabalhadores: “Mas essa gente quer o quê? Hotel cinco-estrelas?”. Dias depois, dizendo-se arrependido, ele lançaria mão de um argumento bastante comum entre protagonistas desse tipo de situação: “Fui mal interpretado”.
Denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), Fantinel admitiu ter cometido “fala inadequada”, mas sob o manto da “imunidade parlamentar, destinada a garantir a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município”. Ele também alegou ter se retratado publicamente – o que, na verdade, só ocorreu após a repercussão negativa do caso.
O magistrado afastou a imunidade pela falta de nexo entre fala e a função de vereador: “Tal conteúdo não se direcionava à apresentação, discussão ou crítica de projetos legislativos, políticas públicas ou questões relacionadas à fiscalização do Poder Executivo, que constituem o núcleo essencial das funções parlamentares. O vereador limitou-se a manifestar posicionamento estritamente pessoal sobre trabalhadores baianos resgatados em situação análoga à escravidão.”
“As declarações do vereador Sandro Luiz Fantinel ultrapassaram os limites do debate político legítimo, assumindo caráter manifestamente xenofóbico e discriminatório. Ao recomendar explicitamente a não contratação de trabalhadores oriundos ‘lá de cima’ (referindo-se aos nordestinos, especialmente baianos), o vereador não apenas extrapolou as prerrogativas de seu mandato, como incitou práticas discriminatórias no mercado de trabalho com base na origem regional”, frisou Aymone.
Apesar da ampla repercussão negativa gerada pelo caso, Sandro Fantinel não apenas escapou de perder o mandato como concorreu novamente a vereador de Caxias do Sul nas eleições de 2024, aos 54 anos. Resultado: reeleito, com 2.353 votos.
Indenização
– A indenização foi fixada em R$ 100 mil porque o juiz considerou a quantia suficiente para exercer as funções punitiva e pedagógica da responsabilidade civil, sem comprometer a subsistência do réu, respeitando-se sua condição econômica.
– Como garantia do pagamento, ele manteve a tutela de urgência anteriormente deferida, relativa à restrição de transferência dos veículos e à indisponibilidade dos bens imóveis do vereador até o integral cumprimento da condenação.
– A sentença atendeu a uma ação civil pública ajuizada pelo MPF e de outras três demandas do gênero propostas pelas seguintes entidades. Por versarem sobre o mesmo fato e contra a mesma pessoa, os processos foram reunidos. Na lista estão:
Federação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Rio Grande do Sul; Associação Cultural Raízes D’África Mundi; Casa Africana Reino de Oxalá; Associação Cultural Sawabona Shikoba; Francisco de Assis Educação, Cidadania, Inclusão e Direitos Humanos; Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara); Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.
(Marcello Campos, com informações do site Consultor Jurídico)