Domingo, 28 de abril de 2024

A cidade paraíso dos vegetarianos onde servir carne é proibido por lei

Habitada desde pelo menos 1800 a.C., Varanasi é conhecida por estar entre as cidades mais antigas do planeta e uma das mais sagradas para os estimados 1,2 bilhão de hindus do mundo.

Todos os dias, enquanto o som dos sinos dos templos ecoam do alto, dezenas de milhares de devotos descem os 88 degraus dos ghats da cidade e mergulham no Rio Ganges para lavar seus pecados.

Familiares de luto se aglomeram nas duas áreas de cremação de Varanasi, onde piras funerárias queimam dia e noite, acreditando que o próprio Shiva sussurra o mantra Tarak (cântico de libertação) nos ouvidos de todos os cremados aqui, concedendo a eles moksha, ou salvação instantânea.

Varanasi pode ser a capital espiritual da Índia, mas não é exatamente conhecida por atrair peregrinos culinários.

A maioria dos turistas gastronômicos provavelmente irão para os famosos centros epicuristas do país, Nova Déli, Calcutá ou Chennai, antes de seguirem para Varanasi.

No entanto, chefs de todo o mundo estão começando a se inspirar em sua herança culinária, recriando seus sabores em seus restaurantes.

O chef Vikas Khanna, que recebeu uma estrela Michelin todos os anos de 2011 a 2016, quando estava à frente do Junoon em Manhattan (Nova York), disse que ficou surpreso com as vrat ke kuttu, panquecas de farinha de trigo-sarraceno, servidas em um único templo de Varanasi.

“Tentei o meu melhor para recriá-la na minha cozinha em Manhattan. O gosto é celestial”, afirmou Khanna ao guia Lonely Planet em 2020.

Duas vezes premiado com estrelas Michelin, o chef Atul Kochhar batizou seu moderno restaurante indiano em Londres de Benares (o nome de Varanasi durante o domínio britânico).

Em seu livro de receitas de mesmo nome, o chef apresenta receitas vegetarianas fusion, como panquecas de grão de bico e salada de tomate tradicional, que destacam as combinações de sabores doces e azedos comumente encontrados na cidade.

Até o famoso chef indiano Sanjeev Kapoor escreveu sobre seu apreço pela comida de Varanasi, destacando suas excelentes ofertas vegetarianas.

É claro que, tratando-se de um país 80% hindu e 20% vegetariano, as opções sem carne são onipresentes na Índia.

Mas o que torna a culinária vegetariana de Varanasi tão interessante é como suas especialidades sátvicas e vegetarianas são diretamente influenciadas por seu forte senso de espiritualidade.

Um cardápio sátvico é baseado em princípios ayurvédicos e segue os mais rígidos padrões de vegetarianismo prescritos pelo Sanatana dharma, uma forma absoluta de hinduísmo.

Desta forma, proíbe o uso de cebola e alho na culinária, que se acredita aumentar a raiva, agressão e ansiedade, entre outras coisas.

“Quase todas as famílias hindus em Varanasi têm um altar dedicado a Shiva em casa. Comer carne em casa é impensável”, explica Abhishek Shukla, um shastri (sacerdote) do famoso templo Kashi Vishwanath de Varanasi.

“Se manter sátvico é uma prioridade para aqueles que desejam alcançar a salvação porque acreditamos que nossas almas sofreriam como aqueles que matamos para comer. Carne, cebola e alho exacerbam as tendências tamásicas (o oposto de sátvico), tornando difícil para as pessoas se concentrarem e exercitarem o bom senso.”

Tradicionalmente, muitos restaurantes de Varanasi serviam carne para atender turistas ocidentais e peregrinos hindus não vegetarianos, e a culinária sátvica local era consumida principalmente em casa.

Mas, em 2019, o governo do partido nacionalista hindu BJP proibiu a venda e o consumo de carne em um raio de 250 metros de todos os templos e locais históricos de Varanasi.

Isso encorajou os restaurantes a começarem a oferecer receitas locais vegetarianas e sátvicas que foram transmitidas de geração em geração nas casas de Varanasi, mas que antes não estavam disponíveis para os visitantes.

Dentro do hotel de luxo BrijRama Palace, uma imponente estrutura de arenito no Munshi Ghat às margens do Ganges, o chef executivo Manoj Verma aplica seu conhecimento enciclopédico da culinária vegetariana tradicional de Varanasi.

Hoje, os moradores estimam em algo entre 40 e 200 restaurantes sátvicos em Varanasi, um grande salto desde a proibição da carne em 2019.

O cardápio do estabelecimento, que muda duas vezes ao dia de acordo com o que está disponível no mercado local naquela manhã, conta com thalis, algo como um menu degustação, com pelo menos 12 pratos diferentes.

Após meses de experimentação cuidadosa, os três chefs do restaurante criaram uma fórmula em que conseguem imitar o sabor de qualquer molho ou caldo usando cinco ingredientes principais: castanhas de caju, sementes de papoula, sementes de melão, tomates e chironji (uma semente de noz endêmica do norte da Índia ).

Além de seus restaurantes, a comida de rua de Varanasi é uma cena tão vibrante e elétrica quanto a de Bangkok ou Istambul, mas não goza de nenhuma propaganda na mídia.

Milhões de turistas visitam Varanasi todos os anos (sem pandemia), e o governo indiano anunciou recentemente que começará a emitir vistos para viajantes internacionais a partir de novembro.

Embora a maioria venha em busca de salvação espiritual, esta peregrina culinária voltou iluminada por este paraíso vegetariano.

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