Quinta-feira, 25 de abril de 2024

Beth Goulart lança livro em que aborda o luto pela perda dos pais

Quando Paulo Goulart morreu, em 2014, após quatro anos enfrentando um câncer, Nicette Bruno e os três filhos do casal, todos espiritualistas, se reuniram em torno dele numa roda de oração. De mãos dadas e olhos fechados, agradeceram e tranquilizaram o ator para que tivesse uma partida tranquila. Sentiram, inclusive, “o momento em que a alma se desprendeu do corpo”, garante a filha do meio, Beth Goulart.

Com a morte da matriarca, Nicette, foi muito diferente. Os filhos mal puderam dizer adeus. Dentro de uma “roupa de astronauta”, entraram na UTI onde a atriz estava internada com covid. Ali, diante de Nicette intubada e inconsciente, e sem conseguir tocá-la, se despediram à distância.

“Eu disse: ‘Mamãe, a senhora foi maravilhosa, se for para ir, pode ir, vá em paz’”, conta Beth.

Nicette partiu em seguida, 21 dias após ter contraído o vírus, em dezembro de 2020, e um mês antes da chegada da vacina no Brasil. Desde então, Beth, de 61 anos, tem aprendido a lidar com a sensação (e realidade) de estar só no mundo.

“Estou aprendendo a ser mãe de mim mesma”, conta ela.

Isso significa “Me ninar nas noites de sono, me acalmar nas adversidades, me alegrar quando recebo carinho e afeto”, como detalha ela no livro “Viver é uma arte – Transformando a dor em palavras”.

Com prefácio de Nélida Piñon e posfácio de Fernanda Montenegro, amiga de vida inteira de Nicette e Paulo, a obra foi lançada na última terça (28).

O processo do livro começou pouco antes de Nicette adoecer. A proposta era que mãe e filha, que dividiam a vida e o palco, registrassem nas páginas um pouco de suas histórias, da filosofia e percepção sobre a vida, os momentos de cumplicidade entre elas. Beth seria a narradora, Nicette faria comentários sobre temas como amor, afeto, família, fé e a arte que está o DNA da família.

A narrativa começaria com a morte de Paulo, uma perda vivida profundamente pelas duas. Foi Beth quem resgatou a mãe da tristeza. Preparou tudo para que, quando o pai partisse, a atriz se distraísse mergulhando no trabalho. Adaptou para o teatro o livro “Perdas e ganhos”, de Lya Luft, e dirigiu Nicette num espetáculo que funcionou como catarse não só para a dupla, mas para muita gente que a assistiu em cena falando sobre superação.

Detalhes dessa experiência seriam compartilhados no início do livro, mas mal sabia Beth que outro luto estava por vir. Diante da perda brusca da mãe, precisou se recolher. Levou seis meses até que conseguisse retomar o livro que, de certa forma, é continuação do diálogo que Beth estabeleceu com o público quando passou a dar notícias sobre o estado de saúde da mãe em vídeos publicados nas redes sociais.

Esse processo interior acabou dando origem à apresentação da obra, em que Beth recorre a palavras como “choque, dor, morte, pausa, silêncio, amor, fé e Deus” para resumir o que se passava dentro dela.

“Perder mãe é forte demais. A gente perde a maior referência, a sensação de orfandade é muito grande. Você zera o jogo e tem que descobrir como vai ser dali para frente. Quem eu sou? Quem eu quero ser? Quais as minhas escolhas? Fiz um mergulho interno de autoconhecimento, autoafirmação e descoberta de novas possibilidades. Com a morte do papai, realizamos uma peça. A da mamãe gerou um livro”, conclui Beth, que posou para a capa sem maquiagem. “No livro, não é a atriz, sou eu, é a minha alma que está falando. Abro mão da vaidade para abrir meu coração.”

Para traduzir melhor o processo que tem vivido desde que Nicette se foi, Beth recorre a uma frase de Lya Luft: “Aprender a perder a pessoa amada é, afinal, aprender a ganhar-se a si mesmo”.

“Descobri uma força interior a partir da perda, que abriu uma porta significativa para mim: a literatura. Ok, levei uma rasteira, mas acham que vou parar? Não! Agora é que vou começar. A vida cria chamamentos que te levam a realizar coisas. Temos que deixar a dor passar pela gente. Muita gente paralisa no trauma”, analisa. “Claro que tive raiva e revolta com a forma com que esse governo lidou com a pandemia, mas não me deixei parar aí. Por isso, falo tanto da energia da alegria no livro, é um ensinamento lindo que recebi da minha mãe. Meu pai dizia que ela não chorou, já nasceu sorrindo, animadíssima.”

O vazio diante da falta da gargalhada da mãe ou da voz grossa do pai lhe dando conselhos são concretas. Beth também tem saudade do cheiro, de encostar na pele da mãe e até das cochiladas que ela dava quando assistiam juntas às novelas.

Mas a atriz, dramaturga, diretora, cantora e agora escritora mostra coragem ao falar naturalmente sobre morte num país onde se reage com frases como “vira essa boca para lá” quando alguém toca no assunto. A “culpa”, segundo ela, é de sua espiritualidade.

“Para nós, espiritualistas, morte é continuidade. A gente sai da dimensão da matéria e vai para a espiritual. A morte é um movimento natural da vida. É melhor aprender a lidar do que simplesmente negar. Adoro uma frase do Guimarães Rosa, que diz: ‘Saudade é ser depois de ter’. Porque você não tem mais aquela pessoa, mas de alguma forma ainda tem, dentro de você.”

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