Sábado, 27 de julho de 2024

Diplomata norte-americano diz que pôr em dúvida as urnas é “erro grave”

Poucos diplomatas americanos conhecem tão bem o Brasil como Thomas Shannon, que, quase dez anos após ter deixado a embaixada em Brasília, está informado sobre a política do país como se continuasse no comando da sede diplomática. Em entrevista recente, o ex-subsecretário do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado expressou preocupação pelos ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas e a ministros das Cortes superiores e saiu em defesa do processo eleitoral brasileiro — “guiou o país pacificamente nas últimas décadas”, ressaltou. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Qual é a importância da eleição brasileira para a região, incluído os Estados Unidos?
Shannon – Todas as eleições, quando são realizadas adequadamente, são uma expressão do desejo popular. Não cabe aos Estados Unidos, ou a nenhum outro país, determinar qual deveria ser esse desejo popular. Isso depende dos brasileiros. O importante não é tanto o resultado da eleição, mas como será conduzida, percebida e entendida no Brasil. O Brasil tem uma trajetória democrática destacada, desde sua redemocratização, nos anos 80. As instituições demonstraram grande resiliência, e também uma capacidade de se adaptar a mudanças de circunstâncias políticas. Isso deve ser parabenizado. Mas, realmente, pela primeira vez o Brasil enfrenta questionamentos sobre a integridade de seu sistema eleitoral, e esses questionamentos estão sendo apontados pelo atual governo. Para mim, isso pode ter apenas um propósito.

Qual seria esse propósito?
Shannon – Questionar o resultado da eleição.

Isso preocupa a comunidade internacional?
Shannon – Claro que sim. Porque a verdade de tudo isso é que o sistema eleitoral brasileiro tem funcionado bem ao longo do tempo. Por ser um sistema nacional, e por ser eletrônico, os resultados são divulgados com rapidez, e isso é importante para uma democracia. Questionar o sistema eleitoral é um erro. Quando falamos sobre a importância da eleição para a região e o mundo, as pessoas vão observar se o que começou nos Estados Unidos, em 6 de janeiro (de 2021) vai continuar. (Apoiadores de Donald Trump, então presidente, invadiram o Capitólio, em uma tentativa fracassada de reverter a derrota dele na eleição. O caso está sendo investigado no Congresso americano)

O senhor faz um paralelismo entre ambas as eleições?
Shannon – Sim, correto.

Algo parecido ao que aconteceu nos EUA poderia acontecer no Brasil?
Shannon – Acho que sim, e acredito que o presidente Bolsonaro e pessoas que estão ao redor dele estudaram os resultados de 6 de janeiro em detalhe, para determinar por que Trump falhou (no plano de desconhecer o resultado da eleição). Eduardo Bolsonaro estava aqui (nos EUA, na ocasião) e continua em contato com Trump e pessoas próximas a ele. Não posso dizer mais do que isso. A eleição brasileira é importante para o mundo, e acredito que a estabilidade política brasileira dependerá dela.

Em recente encontro com embaixadores estrangeiros, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro atacou novamente o sistema eleitoral e representantes do Poder Judiciário.
Shannon – Os EUA observam faz tempo e com grande interesse e atenção o desenvolvimento do sistema eleitoral brasileiro. É um sistema que guiou o Brasil pacificamente ao longo das últimas quatro décadas, e ganhou o respeito da comunidade internacional. É um grave erro questionar este sistema com propósitos políticos.

O senhor foi embaixador no Brasil. Alguma vez imaginou uma eleição desafiadora como a que o país está vivendo, em termos de democracia?
Shannon – Em termos do sistema eleitoral, não. Mas estive no Brasil no início das manifestações (de 2013), e era evidente que as transformações sociais e econômicas que tinham acontecido tinham sido tão rápidas, que o sistema político não tinha tido tempo de se adaptar.

Fica surpreso ao ver a identificação de brasileiros com a direita e a extrema direita, como mostraram recentes pesquisas?
Shannon – Não. Primeiro, porque o Brasil é realmente uma sociedade conservadora. Pode não parecer ser se você está no carnaval, no Rio. Mas é uma sociedade conservadora, especialmente em matéria de valores sociais e culturais. Outra questão é o impacto dos evangélicos, sobretudo nas periferias. As igrejas evangélicas injetaram e reforçaram um conservadorismo na sociedade, que se traduz politicamente. A questão aqui não é esquerda ou direita, a política dos países muda com o tempo. A questão é a resiliência das instituições que devem lidar com uma sociedade que está mudando dramaticamente.

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