Domingo, 28 de abril de 2024
Por Redação Rádio Pampa | 15 de agosto de 2022
Para fazer economias, os argentinos vão guardando maços de dólares nos bolsos de roupas, embaixo do assoalho de casa e em cofres ultra-seguros.
Os argentinos detêm tantos dólares americanos — talvez mais do que qualquer outro lugar fora dos EUA, segundo especialistas — que, em alguns casos, acabam jogando algumas notas fora por engano. No mês passado, foram encontradas dezenas de milhares de dólares em um lixão.
O banco central do país estima que os domicílios e as empresas não financeiras do país detenham mais de US$ 230 bilhões em ativos financeiros estrangeiros, principalmente em dólar americano. A maior parte desse dinheiro está em contas bancárias internacionais, mas há uma porção em cofres e esconderijos espalhados por todo o país.
Essa predileção pela moeda americana vem do fato de o valor do peso estar derretendo. Há um ano, US$ 1 era comprado por 180 pesos no mercado negro. Agora são 298 pesos. Com a moeda argentina em colapso, os preços não param de subir. Economistas estimam que a inflação no país, que já está em 64% ao ano, poderá chegar a 90% até dezembro.
A crise econômica atual é uma das piores enfrentadas pelo país em décadas. E mostra que, num cenário em que países de todo o mundo se esforçam para controlar a alta de preços, é possível que não exista uma grande economia que entenda como viver em meio à inflação melhor que a Argentina.
O país vem lutando com a acelerada escalada de preços pelo menos ao longo dos últimos 50 anos. Num período caótico no fim dos anos 1980, por exemplo, a inflação bateu em inacreditáveis 3.000%, fazendo com que os argentinos corressem para comprar alimentos antes que os supermercados remarcassem os preços. Agora, a inflação agora está de volta, ultrapassando 30% ao ano desde 2018.
Gastar peso
A estratégia passa por gastar os pesos o mais rápido possível assim que recebidos. Os argentinos compram tudo parcelado. Eles não confiam nos bancos e dificilmente usam crédito. Depois de tanto tempo com constante alta de preços, já não fazem ideia de quanto as coisas deveriam custar.
O publicitário Ignacio Jauand, de 34 anos, compra tudo o que pode com parcelamento, incluindo sua cama, roupas, um PlayStation 5 e até mesmo um descascador de batatas.
Não é que ele não tenha dinheiro para bancar essas compras. Mas aposta que o valor do peso vai cair, reduzindo de forma significativa o custo final do produto. A estratégia, diz ele, sempre funcionou.
“O último parcelamento que paguei pela TV ou a geladeira custou o equivalente a dois ou três combos do McDonald’s”, destacou ele. “Comprar coisas é uma forma de vencer a inflação.”
A situação se mantém razoavelmente sob controle. Os salários para grande parte dos empregos sobem perto de 50% ao ano. Locatários podem reajustar os alugueis cobrados em taxas similares. E milhões de argentinos usam o mercado negro para fugir a restrições impostas pelo governo para comprar dólares americanos.
O resultado disso é que nas áreas mais ricas de Buenos Aires, o setor imobiliário segue avançando em ritmo acelerado e bares e restaurantes estão lotados. Para se ter uma ideia, a próxima janela para fazer uma reserva de jantar para dois no Anchoita, um dos restaurantes mais badalados da capital argentina no momento, é em janeiro.
Nas regiões mais pobres, por outro lado, as pessoas catam papelão para vender, juntam dinheiro para comprarem comida de forma coletiva e trocam mercadorias usadas para evitarem o uso do peso. É uma camada da população que não tem rendimento reajustado automaticamente e que, certamente, não têm rendimento extra para comprar dólares.
Isso significa que aos mais pobres resta trabalhar por poucos pesos enquanto tudo vai ficando cada vez mais caro. Cerca de 37% dos argentinos vivem na pobreza atualmente, um salto na comparação com a taxa de 30% registrada em 2016.