Quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Entenda a polêmica entre o governo e as igrejas

A mais recente fissura entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e evangélicos tem como ponto central as regras de pagamento de contribuições previdenciárias sobre salários de lideranças religiosas, como pastores e padres, e multas aplicadas pelo Fisco nos últimos anos. O embate teve início após a Receita Federal ter suspendido este mês um ato editado no governo de Jair Bolsonaro que beneficiava as igrejas. A legalidade da norma editada em 2022 é analisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas a Corte ainda não concluiu o julgamento.

Pela legislação, o pagamento a pastores e padres pela atividade religiosa para fins de subsistência, conhecido no meio evangélico como prebenda e no católico como côngrua, não é considerado uma forma de remuneração. Por isso, fica isento do pagamento da contribuição, por parte das igrejas, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Nesse caso, os líderes religiosos atuam como autônomos e fazem sua contribuição individual com pagamento opcional. Já as igrejas ficam liberadas de pagar ao INSS o equivalente a 20% do valor da prebenda, como no caso de empresas. Esse repasse deve ser feito, no entanto, quando pastores e padres exercem outras atividades que não sejam o ofício religioso, como prestação de serviços administrativos, técnicos e de contabilidade, nas quais a contribuição é obrigatória.

Critérios diferentes

A lei que estabeleceu essa isenção, em 2000, aponta que a prebenda não pode variar segundo a natureza ou a jornada de trabalho, além de se destinar apenas às atividades religiosas. Entretanto, uma igreja pode pagar prebendas em valores diferentes para seus ministros, segundo critérios relacionados à função religiosa que desempenham, como a posição ocupada.

Já o valor pago a pastores e padres pode ser considerado remuneração (sobre a qual deve incidir a cobrança previdenciária das igrejas) quando há montantes diferenciados em razão da performance, metas de arrecadação, ou por critérios não transparentes.

O advogado tributarista André Simão explica que esse entendimento na lei, com redação que dá margem a dúvidas, levou a Receita a questionar igrejas que pagavam prebendas sem critérios claros ou com base em performances de arrecadação.

Os auditores do Fisco também passaram a apontar casos de funções que extrapolavam as tipicamente relacionadas à atividade religiosa, ou a combinação de papéis com pagamento de forma englobada, remunerando uma prestação de serviços não abrangida pela desoneração concedida às igrejas.

Receita

A atuação da Receita levou, então, a uma série de mudanças no regramento do tema com o objetivo de detalhar pagamentos que não devem ser considerados remunerações. Em 2015, no governo Dilma, foi aprovada uma primeira lei para ampliar o escopo. Definiu-se que ajudas de custo com moradia, transporte e formação educacional também ficariam isentos de contribuição previdenciária.

Apesar da mudança, autuações continuaram até 2020. Naquele ano, porém, o Congresso aprovou uma lei e determinou a anulação de cobranças por não pagamento da contribuição previdenciária.

A Receita manteve as cobranças sobre remunerações variáveis. Em agosto de 2022, durante a gestão de Jair Bolsonaro, um ato da Receita permitiu a diferenciação dos valores pagos em prebenda, que poderia variar de acordo com antiguidade, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio do beneficiário. Os efeitos desse ato foram agora suspensos pela Receita, no governo Lula.

“Invasão de competência”

Ainda em 2022, o caso foi parar no TCU, que analisa se essa interpretação do ato amplia as possibilidades de isenção às igrejas. A suspensão dos efeitos da medida gerou um embate entre lideranças evangélicas e o governo Lula. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu na semana passada com integrantes da Frente Parlamentar Evangélica.

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, ele afirmou que foi feita uma “baita confusão” na discussão sobre a contribuição sobre salários de pastores. O ministro afirmou que cabe ao TCU apurar o ato do governo Bolsonaro e já mobilizou a Advocacia-Geral da União (AGU) para disciplinar a interpretação da lei, caso seja apontada a invalidade.

“Isso dá segurança para todo mundo. Nós temos que sair dessa chave que esquenta muito o debate e que não traz luz e clareza. Nós vamos conversar”, declarou.

O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal, por exemplo, entende que a medida “invadiu a competência do Congresso”, “a quem cabe conferir e limitar isenções tributárias no âmbito da União Federal”, e que ela “cerceava” as possibilidades de os auditores fiscais verificarem o pleno cumprimento dos requisitos legais.

O sindicato também lembra que, quando o ato foi publicado, a lista pública de inscritos na Dívida Ativa da União apontava que as instituições confessionais detinham um débito de R$ 1,02 bilhão, sendo R$ 951 milhões relativos à Previdência.

Já o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), liderança evangélica no Congresso, rebate a interpretação de que houve ampliação de isenção às igrejas:

“O ato declaratório não é por questões de variações de salário, mas para balizar e dar padrão aos auditores quando fossem fazer auditorias em instituições religiosas e evitar interpretações que estavam produzindo multas indevidas, não visava à isenção.”

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