Segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Entenda como surgiu o rombo bilionário nas Lojas Americanas

O escândalo contábil reportado pela Americanas há pouco mais de uma semana continua como um dos principais assuntos do mercado – e a história ainda deve ter novos desdobramentos. Após a Justiça do Rio de Janeiro aceitar o pedido de recuperação judicial feito pela companhia, a empresa entrou no chamado “prazo de blindagem”, um período de 180 dias no qual todas as suas dívidas ficam suspensas.

Segundo informado pela varejista, o valor total de suas dívidas soma R$ 43 bilhões, entre cerca de 16,3 mil credores. Esse montante, no entanto, é muito maior do que os cerca de R$ 20 bilhões reportados pela companhia como dívida bruta no balanço do terceiro trimestre de 2022.

Em comunicado divulgado ao mercado na última semana, a varejista relatou que foram descobertas “inconsistências em lançamentos contábeis” em seus balanços financeiros no valor de R$ 20 bilhões. Veja a cronologia dos fatos.

Em conferência feita na manhã seguinte ao comunicado, Sergio Rial, presidente da Americanas que deixou o cargo menos 10 dias depois de ser empossado, explicou que o número não estava fora do balanço. “Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos”.

Segundo especialistas, o rombo aconteceu por meio de uma linha de crédito conhecida como “risco sacado”, que faz uma triangulação entre a empresa, seus fornecedores e uma instituição financeira.

A operação de “risco sacado” pode funcionar de duas maneiras: com o fornecedor sendo o tomador de crédito – nesse caso, ele é quem se dirige ao banco e oferece as notas fiscais que ainda tem a receber, pedindo uma antecipação desse pagamento para a instituição financeira -, ou com a empresa sendo a tomadora de crédito – que, até onde se sabe, foi o que aconteceu no caso da Americanas.

Nesse último cenário, a empresa é quem se dirige ao banco, pedindo uma espécie de alongamento da dívida. Isso significa que a instituição financeira quita o contrato do fornecedor em nome da companhia – que, por sua vez, passa a dever a quantia para o banco, com a cobrança de juros, mas com um prazo maior de pagamento.

E qual foi o erro cometido pela Americanas? No caso da Americanas, o erro estaria na identificação desses gastos no balanço. Isso porque nas demonstrações financeiras, cada conta é reconhecida de um jeito.

Nessa situação, por exemplo, a operação envolve tanto uma transação comercial com fornecedores, como uma transação financeira com o banco, e precisa ser identificada das duas formas, inclusive acrescentando o valor dos juros cobrados pela instituição – e foi nessa última parte que o erro foi encontrado.

“O que parece é que, quando a Americanas foi reconhecer a operação no balanço após o pagamento ao banco, ela tirou a dívida que tinha com o fornecedor das ‘contas a pagar’, mas não reconheceu os juros da operação de crédito devidamente no balanço”, explicou uma analista que pediu anonimato.

Esse montante lançado de forma errada no balanço seria equivalente a R$ 20 bilhões e é o que responde pelas “inconsistências contábeis” reportadas pela companhia.

R$ 43 bilhões

Apesar de a Americanas ter reportado R$ 20 bilhões como dívida bruta no terceiro trimestre de 2022, a companhia informou no pedido de recuperação judicial feito à Justiça na quinta-feira (19), que o valor de suas dívidas era de R$ 43 bilhões, entre cerca de 16,3 mil credores.

Segundo os especialistas, essa quantia representa a soma da dívida bruta que a empresa já havia reportado no balanço do terceiro trimestre de 2022, de cerca de R$ 20 bilhões, com o total das inconsistências contábeis encontradas recentemente, de valor semelhante. Os R$ 43 bilhões são, portanto, o valor total que a Americanas considera dever às instituições financeiras.

Com o deferimento do pedido de recuperação judicial pela Justiça no Rio de Janeiro, a expectativa é que a empresa apresente a primeira versão de um plano de reestruturação em até 60 dias, com as principais medidas a serem tomadas para balancear sua estrutura de capital.

Houve fraude?

Segundo os especialistas, o caso da Americanas ainda está em apuração por parte da Comissão de Valores Mobiliários(CVM) – que já tem sete processos administrativos abertos e chegou a criar uma força-tarefa para investigar eventuais irregularidades.

De acordo com o professor e especialista em negócios Fernando Moulin, parte do que explica os rumores que existem no mercado sobre uma possível fraude e má-fé por parte da companhia é o fato de os juros terem sido reportados de maneira inadequada no balanço.

Ele explica que o registro equivocado desses valores fez com que o lucro da Americanas fosse maior e ficasse mais alto do que realmente seria caso os números estivessem reconhecidos de maneira correta nos resultados.

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