Sábado, 08 de fevereiro de 2025

Especialistas ressaltam que, embora a autenticidade de Lula seja vista como “virtude”, declarações têm desagradado a apoiadores

Habituado a fazer discursos e pronunciamentos improvisados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se tornado alvo de críticas até mesmo de apoiadores por gafes cometidas em declarações referentes a temas caros à esquerda. Mas se de um lado ele entra na mira de grupos ligados a pautas identitárias e entidades de direitos humanos, de outro integrantes do governo buscam minimizar falas controversas — por exemplo, as sobre a escravidão e as de tom gordofóbico — que o têm deixado em frequentes saias-justas. Especialistas avaliam que o perfil espontâneo expõe um presidente autêntico, mas desconectado das atuais demandas sociais.

A mais recente, nesses primeiros nove meses de governo, ocorreu na última terça-feira (26), quando Lula afirmou a jornalistas, às vésperas da cirurgia no quadril, que despacharia do Palácio da Alvorada porque não queria ser visto de andador ou muleta: “Vocês vão me ver sempre bonito como se eu não tivesse operado”.

Marqueteiros e especialistas ponderam que as declarações de Lula devem ser compreendidas no contexto político e cultural da formação do petista, que iniciou na vida pública ainda durante a ditadura militar, mas não podem ficar distantes de questões contemporâneas.

“A adaptação é uma forma de sobrevivência, e hoje Lula está buscando falar com uma esquerda com a qual ele conviveu muito até 2010. Passaram-se 13 anos desde então e uma série de pautas foram revistas. Ele se desconecta da esquerda mais contemporânea, que passou a ver ruídos na comunicação”, afirma o marqueteiro Marcelo Vitorino.

As críticas pelo comentário da última semana, interpretado como capacitista, somaram-se a outras. Em março, o presidente afirmou que “uma coisa boa” da escravidão foi a miscigenação no Brasil. Quatro meses depois, em viagem ao continente africano, ele afirmou ter “profunda gratidão” aos países de lá por tudo o que foi produzido em território brasileiro durante o período de escravidão.

Ministros “bombeiros”

Ainda em março, Lula fez uma associação classificada como gordofóbica sobre a forma física do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Ele disse que a obesidade “causa tanto mal quanto a fome” e, por isso, o titular da pasta teria começado a andar de bicicleta. No mês seguinte, o petista se referiu a pessoas com transtornos mentais como quem tem “problema de desequilíbrio de parafuso”.

Apesar de reconhecer o “deslocamento” de Lula, o marqueteiro Renato Pereira, que atuou na campanha de Marcelo Freixo ao governo do Rio, acredita que as falas do petista são consequência de improviso e autenticidade, esta, avaliada como uma das maiores “virtudes” do presidente:

“Se ele passasse a ter uma linguagem modulada e polida, ele se distanciaria de sua base, que é a classe popular”.

Numa tentativa de minimizar as colocações de Lula, ministros passaram a atuar como “bombeiros”. Em julho, o titular da pasta de Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou a imprensa que uma das falas sobre escravidão era uma tentativa de o petista fazer uma reparação:

“O que o presidente disse foi: “O Brasil tem uma dívida com África e ela tem que ser paga”. E por isso o presidente tem insistido que a agenda de direitos humanos com a África envolva o chamado direito ao desenvolvimento”, disse Almeida.

Para Vitorino, essa blindagem pode estar contribuindo para que o presidente não queira rever posições. “Toda vez que alguém do entorno passa a mão na cabeça dele e fala que ele pode falar e desdizer, isso não colabora para que ele queira se atualizar”, explicou.

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