Segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Golpe ou revolução: como guerra de versões persiste no Brasil 60 anos depois de tomada de poder pelos militares?

“O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução”.

Esta frase faz parte do primeiro parágrafo do Ato Institucional nº 1, o primeiro de uma série de medidas impostas pelo regime militar que se seguiu ao dia 31 de março de 1964.

Militares e seus apoiadores, entre eles muitos civis, sustentavam que a deposição do então presidente João Goulart havia sido, portanto, uma “revolução” e não um mero golpe de Estado.

O regime militar começou após a deposição de um presidente eleito democraticamente e resultou na implantação de uma ditadura militar responsável por violações de direitos humanos como a tortura, morte e desaparecimento de dissidentes.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apurou violações cometidas durante a ditadura militar e reconheceu a morte ou desaparecimento de 434 pessoas durante o período que foi de 1964 a 1985, quando a democracia foi restabelecida no País.

O doutor em Linguística e professor da Universidade do Estado e Minas Gerais (UEMG) Samuel Ponsoni é co-autor de um artigo, junto com Tamires Bonani, sobre as narrativas propagadas em torno do 31 de março de 1964.

Ele argumenta que as pessoas formam seus discursos com base em suas vivências acumuladas e em suas visões de mundo. Dessa forma, elas tendem a interpretar o mundo a partir dessas “lentes”.

Ponsoni explica que a persistência do debate sobre se foi golpe ou revolução se deve à carga semântica (significado) que os dois termos carregam.

De acordo com o Dicionário Michaelis, revolução é o “movimento de revolta, súbito ou generalizado, de caráter político e social, por meio do qual um número significativo de pessoas procura conquistar, pela força, o governo de um país, a fim de dar-lhe nova orientação”.

Já um golpe de Estado, por outro lado, é “o ato de se apoderar, pela força, do governo estabelecido para implantar um novo sistema governamental, sem aprovação do povo”.

Para Ponsoni, quem escolhe o termo golpe tem uma opinião negativa sobre o que aconteceu. Do outro lado, quem defende que o que aconteceu foi uma revolução vai sustentar uma outra visão sobre o assunto, diz Ponsoni. Ele afirmou que, apesar de o debate existir, em sua opinião o que aconteceu em 1964 foi, sim, um golpe.

“Ele (João Goulart) era um presidente que foi eleito legitimamente e legalmente ocupava aquele lugar”.

Um dos argumentos mais usados por quem defende a ideia de que o que houve em 1964 foi uma revolução e não um golpe é o de que a tomada de poder pelos militares teria amplo apoio de setores da sociedade brasileira.

Historiadores reconhecem que a deposição de Jango pelos militares teve, sim, apoio de segmentos importantes da sociedade brasileira.

Um exemplo foi o apoio de alguns dos principais grupos de mídia e empresariais da época, além de manifestações populares que levaram milhares de pessoas às ruas contra o governo do então presidente, como a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade. Ela foi realizada em São Paulo no dia 19 de março de 1964 e estima-se que levou entre 500 mil e 800 mil pessoas às ruas.

O historiador e professor do Instituto Federal do Paraná (IFPR) Murilo Cleto estuda o fenômeno das novas direitas no Brasil e defende a tese de que o ressurgimento do debate faz parte de um processo que ele chama de “revisionismo ideológico”.

Segundo ele, o revisionismo ideológico ocorre quando uma pessoa ou um grupo delas reinterpreta um fato do passado com base em seus interesses no presente ou no futuro.

Por isso, ele diz, haveria mais pessoas neste momento defendendo a ideia de que o que houve em 31 de março foi uma revolução justificável e não um golpe de Estado.

“A gente vai observar que crescem os revisionismos ideológicos do regime militar à medida que cresce também a participação das Forças Armadas na política brasileira […] Até a gente chegar no auge que foi o governo Bolsonaro”, disse Cleto.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ganhou notoriedade no início de sua carreira política, entre outros motivos, por defender a tomada de poder pelos militares em 1964.

Ele se recusava a chamar o episódio de golpe e liberou as Forças Armadas a celebrarem o 31 de março como um fato positivo.

Em 2018, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, disse que evita usar o termo golpe ou revolução. Em um discurso, ele disse preferir usar a palavra “movimento”.

O presidente Lula, por outro lado, que foi preso durante a ditadura militar, já usou o termo golpe para se referir a 31 de março de 1964.

Neste ano, porém, seu governo vetou manifestações promovidas pelos ministérios em tom crítico à ditadura militar

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