Sábado, 12 de outubro de 2024

Hospitais federais têm histórico de desuso de verbas em diferentes governos. Será por isso que tantos políticos querem o Ministério da Saúde?

Gargalo que recentemente elevou a pressão sobre a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e gerou cobranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à auxiliar, a gestão dos hospitais federais do Rio tem histórico de dificuldades administrativas e de suspeitas de corrupção. Casos envolvendo o mau uso de recursos públicos já levaram as unidades de saúde, em diferentes governos, a entrar na mira do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Congresso.

Uma nota técnica coordenada por Alexandre Telles, demitido por Nísia do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), e que embasou uma intervenção da pasta nos hospitais já enfatizava a “tarefa desafiadora” de manter uma rede “que carrega anos de descasos”. Somam-se a isso, conforme o documento ressalta, as inúmeras suspeitas de irregularidades, como sobrepreços e direcionamento de licitações.

Antes da atual crise, que já levou a trocas em cargos de confiança da estrutura do Ministério da Saúde, o ápice recente da exposição de supostas irregularidades se deu na CPI da Covid, em 2021, no governo Jair Bolsonaro. O relatório da comissão apontou cerca de R$ 125 milhões sob suspeita em contratos firmados na pandemia, com 37 empresas envolvidas em áreas diversas da gestão hospitalar. As investigações levaram à demissão do então superintendente do ministério no Rio, o militar da reserva George da Silva Divério, nomeado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello (PL-RJ), atual deputado federal.

A apuração apontou “prática frequente” de celebração de contratos por meio de dispensa de licitação e o posterior aumento de valor “possivelmente por meio da formalização de aditivos, alguns dos quais para inclusão de serviços não contemplados no objeto do contrato”. Os mesmos pontos foram levantados na recente nota técnica de Telles.

À época da comissão parlamentar, o superintendente ligado a Pazuello defendeu que a dispensa de licitação era justificada pelo contexto pandêmico, mas, segundo a CPI, as compras não tinham “qualquer nexo com a emergência de saúde em curso”. Um exemplo foi a troca de poltronas de um auditório, além de reformas em galpões do ministério no Rio. Com a revelação, o então ministro Marcelo Queiroga exonerou Divério.

A CPI enviou as suspeitas ao TCU. No ano passado, já no governo Lula, a Corte de Contas abriu outra investigação também focada em indícios de mau uso de dinheiro público em contratos dos hospitais com empresas relacionados a máquinas de hemodiálise e insumos voltados para esse procedimento. Os documentos haviam sido assinados entre 2016 e 2021 e somavam mais de R$ 15 milhões, com prejuízo aos cofres públicos de R$ 3,6 milhões, segundo o tribunal.

Os problemas na rede federal estão na mira do TCU há anos. Em 2017, o órgão identificou que equipamentos adquiridos pouco tempo antes não tinham sequer sido instalados, enquanto os hospitais efetuavam novas compras — modus operandi registrado na nota técnica que embasou a intervenção de Nísia.

Em 2015,  a TV Globo denunciou a chamada “máfia das próteses” na rede federal do Rio. Milhares de materiais saíam do almoxarifado dos hospitais sem fiscalização, com a complacência de gestores, a fim de desviá-los.

A CGU também tem tradição de identificar problemas nos hospitais. Em 2012, uma auditoria detectou rombo de R$ 124 milhões em contratos de obras e de prestação de serviços. O montante em fraudes equivalia a 14% do valor total analisado nos documentos.

Àquela época, uma das recomendações feitas ao Ministério da Saúde — e que chegou a vigorar nos governos petistas — era justamente o que a pasta pretende fazer agora: a centralização de compras no DGH, que coordena as unidades. Além de facilitar a fiscalização das aquisições, o modelo tende a baratear custos por meio de compras no atacado.

O Rio conta, ao todo, com seis hospitais da União, uma presença federal incomparável com a dos demais estados e que remete ao passado da cidade como capital da República. Algumas unidades foram municipalizadas ao longo do tempo, mas foram retomadas pelo Executivo federal em 2005, depois de uma enorme crise, à época, na prefeitura de Cesar Maia que chegou a motivar uma intervenção do primeiro governo Lula.

Quase 20 depois, a história se repete. Esta semana, a atual ministra da Saúde defendeu uma “intervenção firme e profunda”. Os hospitais, justificou Nísia, estão em situação precária de infraestrutura e pessoal.

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